A inflação segue alta por aqui e em boa parte do mundo. Pressões de custo tidas como passageiras tem se mostrado mais persistentes e até o momento não há muitos sinais de alívio. Estas não parecem estar ligadas apenas a gargalos pontuais de oferta, mas também a mudanças persistentes na demanda. As pessoas estão consumindo relativamente mais bens e menos serviços mesmo depois de o pior da pandemia ter passado. As implicações nos juros não são triviais. De um lado, a inflação mais salgada tem aumentado a pressa em subir os juros na maioria dos países. De outro, a tendência de longo prazo de inflação e juros cada vez mais baixos continua valendo em nossa visão. A pandemia talvez tenha até acelerado isto. Fazendo a estória curta um pouco mais longa:
Os últimos números de inflação não tem animado nem um pouco. A inflação ao consumidor medida pelo IPCA-15 de setembro voltou a surpreender para cima, colocando ainda mais pressão nas projeções deste ano. Tudo indica que fecharemos 2021 com o IPCA em torno de 8.5%. Recuperação da demanda com a abertura , alta do dólar, quebras de safra nos alimentos, escassez hídrica e vários gargalos de oferta na indústria. Com tantas pressões, a subida da inflação tem sido bastante disseminada. A média dos núcleos de inflação (que tentam amenizar a influência de fatores pontuais) tem rodado acima de 8% ao ano nos últimos meses, nível apenas visto nos piores momentos da crise de 2015.
Não por acaso, há grande questionamento nos mercados sobre a dose de aumento de juros necessária para que a inflação volte para a meta em 2022. Muita gente já fala em Selic próxima de 10%, o que naturalmente pagaria seu preço na atividade econômica. As projeções de crescimento do PIB de 2022 seguem caindo. Vale lembrar que o mero formato da recuperação econômica em 2021 deverá nos “dar de presente” um crescimento na casa 0.9% para o PIB de 2022 pelo o que chamamos de carrego estatístico. Ou seja, qualquer coisa abaixo disto significaria recessão em 2022. O banco Itaú por exemplo já projeta 0.5%, o que implicaria queda marginal no PIB no próximo ano. Estas preocupações nos juros e na atividade estão entre as principais razões para o pessimismo recente na bolsa.
Gráfico 1: Núcleos de inflação do IPCA c/ ajuste sazonal e anualizado (saar)
Em que pese a importância de fatores locais na alta da inflação, é sabido que a mesma tem surpreendido na maior parte do mundo. Nos EUA, as expectativas para este ano que estavam em torno de 2.1% em janeiro foram subindo e já estão acima de 5%. Grande parte desta surpresa tem sido associada a diversos gargalos de oferta. Estes vão além da extensamente reportada escassez mundial de microchips e seu impacto na produção de automóveis. De acordo com os indicadores de PMI (pesquisas qualitativas feitas juntamente às empresas), a maioria dos setores industriais no mundo estão operando com tempos de entrega sensivelmente acima da média. Além disto, as mesmas pesquisas não tem sugerido nenhuma melhora significativa nos últimos meses, mesmo com a pior fase da pandemia já superada.
Gráfico 2: PMI Global Tempo de Entrega (quanto menor, mais tempo)
A questão naturalmente fica em entender de onde vem tantos gargalos. No início da pandemia poderia ser razoável atribui-los a disrupções em linhas de produção causadas pela necessidade de isolamento social. Hoje este não é mais o caso na maioria das industrias. De fato, a pressão parece neste momento associada mais ao lado da demanda do que propriamente da oferta. Um bom indicativo é a explosão recente dos fretes marítimos no mundo (gráfico 3 abaixo), o que indica aumento generalizado da demanda por bens e mercadorias.
Gráfico 3: Índice Global de Preço de Containers
O aumento da demanda por bens, por sua vez, tem sido mais persistente do que se imaginava. Até alguns meses atrás, a tese mais plausível era de que os consumidores estariam demandando mais bens essencialmente porque eram incapazes de consumir serviços em um contexto de isolamento social. Desta forma, bastaria a melhora da pandemia e aumento da mobilidade para que a situação se revertesse. No entanto, este não tem sido o caso já passado o pior da pandemia. No gráfico abaixo temos para os EUA a razão entre consumo de bens e serviços expressa como um número índice. A vacinação por lá avançou, a economia reabriu, os índices de mobilidade se recuperaram e a variante Delta não tem prejudicado a economia. No entanto, o americano médio continua consumindo muito mais bens em detrimento de serviços: um aumento de 18% em relação ao pré-pandemia!
Gráfico 4: Razão consumo de bens/serviços (PCE) nos EUA (Jan/20=100)
Ainda parece cedo para dizer o quanto deste aumento na demanda por bens realmente veio para ficar. As explicações para este fenômeno também merecem cautela, mas é natural arriscar. Afinal, qualquer um de nós já deve ter percebido que trocar a TV ou se reunir com os amigos em casa saí muito mais barato do que viajar e jantar fora.
Se por um lado a inflação deve seguir pressionada no curto prazo, por outro ainda entendemos o legado da pandemia como essencialmente “desinflacionário” (ou seja, que puxa a inflação para baixo) em um horizonte mais longo. A impressão continua sendo de que a pandemia acelerou o ritmo de mudanças que já estavam em curso, como automação da produção, teletrabalho, o uso da internet para alavancar os negócios, ou aumento da competição entre empresas. Pela lógica econômica, todas estas mudanças tendem a reduzir a inflação e os juros de equilíbrio. Uma eventual mudança nas preferências do consumidor, como tratamos acima, deveria acelerar ainda mais este processo. Mais bens e menos serviços significariam aumento do desemprego (produzir bens requer relativamente menos mão de obra) e portanto queda da inflação e dos juros. Mais difícil, no entanto, é saber quando o curto prazo acaba e o longo prazo começa neste cenário.
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