A recente queda da bolsa é muito provavelmente explicada pela alta dos juros. O BC parece estar estar correndo atrás do prejuízo após ter sido ousado na pandemia. Em nossa visão o mercado está exagerando na expectativa de aumentos. Vemos possibilidades concretas de corte de juros já em 2022.
Com a azedada dos mercados nos últimos dois meses vieram as explicações. Variante delta no mundo, retirada de estímulos nos EUA, desaceleração chinesa, risco fiscal e crise de governabilidade por aqui. Não que estes riscos inexistam, mas a principal razão nos parece outra. A subida da inflação e portanto dos juros para contê-la. A empolgação com a Selic historicamente baixa e seus efeitos benéficos na economia tem virado desencanto.
Gráfico 1: Variação das bolsas e moedas de países emergentes (desde 9/jun)
De fato, a surpresa com a inflação não tem sido pequena. Em janeiro o consenso dos economistas medido pelo relatório Focus era de que o IPCA fechasse o ano em 3.3%, o que foi constantemente revisado pra cima e já está ultrapassa os 7% . Em um primeiro momento estas surpresas foram tratadas pelo mercado e pelo BC como essencialmente passageiras e que, portanto, não contaminariam a inflação mais a frente. Esta visão mudou nos últimos dois meses conforme os choques de preços foram se mostrando mais persistentes. Tanto a inflação de serviços quanto as medidas de núcleo (que tentam reduzir o peso de fatores atípicos) voltaram a rodar próximas do que eram nos anos Dilma (gráfico abaixo).
Gráfico 2: Inflação ajustada e anualizada (SAAR) – média móvel 3 meses
Com efeito, também temos visto uma clara mudança de visão sobre os próximos passos da política monetária. O BC endureceu o discurso e já fala em colocar a Selic acima do chamado “nível neutro”. Em bom português, isso significa colocar os juros altos o suficiente até esfriar a atividade econômica e assim conter a subida da inflação. Nas contas dos economistas a Selic deve subir para algo em torno de 7.5% nos próximos meses e há os que não descartam o risco de voltar para os 2 dígitos. Juros mais altos afetam negativamente os mercados por vários canais. Além de esfriar os ânimos com a recuperação da economia, diminuem a atratividade de se investir em ações em relação a renda fixa. Além disso, agravam por si só a percepção de risco fiscal brasileiro ao elevarem o custo de financiamento de nossa dívida.
Podemos dizer certamente que o BC performou o maior cavalo de pau de política monetária de todos os bancos centrais de países emergentes nesta crise. Nas vésperas do covid tínhamos um dos juros mais baixos entre economias comparáveis. Não obstante, fomos os mais agressivos nos cortes. Também ousamos na comunicação ao introduzir o forward guidance, uma espécie de compromisso de que os juros ficariam baixos por muito tempo. Saímos da pista depois dessa manobra e logo tivemos que voltar a subir os juros. Estamos acelerando para recuperar o tempo perdido. Hoje a taxa de juros média para os próximos 2 anos embutida nos contratos futuros é a maior entre estes países. Barbeiragem ou más condições da pista, não importa tanto. O que importa é saber se os juros vão subir tudo isso que o mercado precifica e se ficarão neste patamar. Hoje os contratos futuros embutem que a Selic supere os 9% no próximo ano e não caia tão cedo.
Gráfico 3: Juros de 2 anos em países emergentes
Em nossa visão, essas expectativas andam bastante exageradas. De fato, a subida da inflação corrente no Brasil não tem ficado muito fora do padrão em relação a outros países de forma a justificar uma subida tão desproporcional dos juros. No gráfico abaixo vemos a trajetória dos índices de preços ao consumidor dos principais emergentes desde o início da crise. Se levarmos em conta que o real foi a moeda que mais se depreciou neste período, a subida da inflação por aqui não parece tão feia.
Gráfico 4: Índices de preços ao consumidor em países emergentes
Em último caso, vale pensar sobre a natureza dos choques recentes de preços, se estes vão persistir no futuro e se aumentos de juros farão alguma diferença. Nossa inflação não tem nada de atípica em relação aos outros países que estão subindo os juros de forma muito mais comedida. Tal como estes, a inflação segue acima da média puxada essencialmente por fatores ligados à oferta e não à demanda. Aumentos de juros não vão aumentar a produção de microchips, reduzir o preço do minério de ferro ou fazer chover. Para a inflação de serviços a subida ainda é recente e coincide com a reabertura da economia nos últimos 2 meses seguindo a melhora da pandemia. Nos parece cedo para trata-la como uma mudança de tendência.
Gráfico 5: Principais grupos do IPCA (Inflação acum. 12 meses)
Para o médio e longo prazo, ainda acreditamos que a pandemia se provará desinflacionária. Ou seja, sairemos dela com inflação mais baixa do que entramos. Uso mais intenso de tecnologia e maior concentração de mercado em empresas mais eficientes foram acelerados pela crise e tendem a aumentar a produtividade da economia. Do lado da demanda, a mudança de consumo para bens e serviços menos intensivos em mão de obra pode se mostrar em certo grau permanente. Talvez os próprios gargalos que estamos vendo em alguns setores (particularmente no de bens de tecnologia) sejam sinais dessas mudanças estruturais. Tudo isso tende a aumentar o desemprego e reduzir a inflação.
Em nossa visão, a inflação surpreenderá para baixo em 2022, abrindo espaço para cortes de juros ainda no mesmo ano. O risco naturalmente fica com o cenário político e a possibilidade de mais desvalorização do câmbio até as eleições, atrapalhando assim a queda da inflação.
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