Em que pese a tensão geopolítica mais recente, o real tem surpreendido este ano e exibe a maior valorização entre outras moedas no período. De certa forma, não deveria surpreender visto que nossa moeda já parecia barata sob diversas óticas. Na verdade, o que mais causou estranheza foi o timing deste movimento. Justamente em meio a uma guinada na política monetária do Fed com os juros subindo mais rápido por lá. Em nossa visão, nenhum desses movimentos parece ter se esgotado. Se por um lado ainda há espaço para que os juros americanos subam mais do que o mercado espera, por outro os ativos brasileiros seguem bastante descontados. Onde a crise na Ucrânia poderia entrar nesta história? É provável que a mesma acelere a subida de juros no mundo, via impacto nos preços de commodities e consequentemente na inflação mundial. O Brasil, como grande exportador do setor, estaria relativamente bem posicionado. Fazendo da história curta um pouco mais longa:
Nem a guerra da Ucrânia apagou o brilho do real este ano. Mesmo voltando para os R$5.15/US$ na última sexta-feira, o real ainda exibe a maior valorização entre as principais moedas do mundo. Vale dizer, movimento não antecipado por quase ninguém.
Do ponto de vista estritamente quantitativo, a valorização do real não deveria surpreender tanto assim. Afinal, já parecia barato há um bom tempo. Há algumas maneiras de ver isso.
A primeira e mais simples é a de uma mera comparação histórica. Para que análise fique justa, ajustamos a taxa pelo diferencial de inflação do Brasil em relação a dos EUA ao longo do tempo (gráfico 1).
Figura 1: Câmbio real (R$/US$ a preços de fev/2022)
A valores de hoje, a taxa de câmbio no pior momento do governo Dilma chegou em R$4,60. Naquele período não havia qualquer condição de governabilidade para lidar com uma dívida pública de trajetória claramente explosiva. Hoje, por mais que hajam críticas a política econômica, gozamos de prognósticos fiscais muito melhores. Deste ponto de vista, os R$5,70 do dólar até a virada do ano realmente pareciam muito salgados.
A segunda maneira seria comparar o real em relação a outras moedas emergentes desde o início da pandemia. No gráfico 2 temos a performance mediana de uma amostra de 10 moedas.
Figura 2: Taxa de câmbio real, BRL e emergentes* (média 2019=BRL)
Sob esta perspectiva, a valorização deste ano também não parece tão impressionante. Afinal, estávamos bastante descolados do resto. Se o real tivesse seguido a performance mediana desta cesta de moedas, nosso câmbio também estaria na casa dos R$4,60.
Uma terceira forma de tentar achar uma referência de valor “justo” para o real seria através de um modelo que o relacionasse a outras variáveis econômicas. As mais comuns são quatro. 1) o diferencial entre os juros interno e externo (quanto maior os juros por aqui, mais dólares entram e mais o real se aprecia); 2) o valor global do dólar; 3) os preços internacionais das commodities (quanto mais altos, mais dólares entram pelas exportações e mais o real se valoriza); e 4) o risco país (quanto maior a percepção de risco interno, mais o real se deprecia). Ponderando estas quatro variáveis, o modelo chega em um valor de referência de R$4,65/US$.
Figura 3: Taxa de câmbio BRL sugerida por um modelo de valor “justo”
Particularmente duas dentre estas quatro variáveis teriam contribuído para o fortalecimento do real: a persistente alta dos preços das commodities desde o inicio da pandemia e, mais recentemente, a forte subida da Selic (gráfico 4). De fato, estes movimentos seriam suficientes para compensar a piora do risco fiscal e político por aqui desde então (expresso pelo aumento do CDS spread).
Figura 4: Desempenho recente das principais variáveis relacionadas à taxa de câmbio
Ora, se o real parecia tão barato sob tantas métricas, por que sua valorização surpreendeu tanto? Dois pontos provavelmente explicam a cautela dos economistas em apostar no fortalecimento do câmbio. O primeiro é claramente a incerteza com as eleições de outubro. O segundo motivo seria o aumento de juros no mundo, especialmente nos EUA, com seu impacto negativo nas moedas emergentes. De fato, temos visto uma mudança expressiva no cenário de juros por lá em consequência de inflação muito mais persistente do que se imaginava. Antes o mercado esperava que o Fed subisse juros só em 2023, agora espera que comece já este mês.
Contudo, este movimento até agora não tem atrapalhado a valorização do real. A explicação mais plausível é a de que os juros por aqui já subiram muito e mais rapidamente do que no resto do mundo. Estaríamos portanto alguns passos à frente dos outros BCs, e isso traria impactos positivos para a nossa moeda.
De qualquer forma, fica a dúvida se esta dinâmica benigna continuará caso os juros americanos subam ainda mais do que o mercado espera. De fato, por mais que as expectativas tenham se ajustado nos últimos meses, o consenso ainda é de que os juros por lá subam muito pouco em relação a outros episódios de inflação elevada (gráfico 5). Hoje o mercado precifica que os juros não passem dos 2% ao ano. Parece baixo demais.
Figura 5: Núcleo de inflação americana e taxa de juros do Fed funds
Para complicar, a guerra da Ucrânia coloca ainda mais pressão na inflação global de commodities. Independentemente do desenrolar da crise nas próximas semanas, parece seguro dizer que os preços de energia, alimentos e alguns metais seguirão bastante elevados no mundo por algum tempo. Em um contexto de atividade aquecida e inflação persistentemente alta, é difícil acreditar que o Fed ignore essa nova fonte de pressão. Em nossa visão, cresceram as chances de que os juros nos EUA subam mais do que se esperava.
Felizmente, o real parece bem posicionado neste contexto. Seja pelo juros que já subiram antes por aqui, seja pelo efeito positivo dos preços das commodities em nosso setor exportador. O principal fator a impedir uma maior valorização do câmbio segue sendo, em nossa visão, as incertezas relacionadas as eleições e a orientação de política econômica dos próximos anos. Há uma piada que diz que a taxa de câmbio foi inventada por Deus com o único propósito de humilhar os economistas. Não discordamos, mas continuamos humildemente otimistas com o real.
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