Vale – Um “Value Stock” Classico

A Vale é uma das principais posições compradas dos fundos da casa. Abaixo explicamos como suas ações se tornaram um dos investimentos mais atraentes da bolsa hoje, justificando a posição.

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Há alguns meses nós e muitos no mercado observamos o quão baratas estão as ações da Vale. Isso inclui o período antes dos mercados serem contaminados pelo covid-19. Em diversos parâmetros de valuation (o processo que busca determinar o valor justo de uma empresa) a Vale é daquelas ações que todo investidor da escola de value investing sonha encontrar: empresa geradora de caixa, com baixo endividamento, ampla margem de segurança entre o preço das ações e seu valor justo, potencial de proventos gordos. Sim, pesa sob a empresa a necessidade de reparar os danos de seu passado recente. O preço das ações reflete um sentimento que acreditamos ser comum e justo de “confiança abalada” entre o mercado e a sociedade. Mas um olhar nu e cru da tese de investimento da Vale não consegue ignorar o elefante da sala: nas cotações atuais de dólar e minério de ferro, a Vale gera em caixa em um ano 30% do valor total de suas ações na bolsa. Desafiamos os leitores a encontrarem uma empresa com numeros à essa altura na bolsa hoje. No múltiplo de EV/EBITDA, que compara o valor da empresa com seu potencial de gerar caixa, a Vale negocia a um desconto de 20-25% vs. seus pares BHP e Rio Tinto.

Figura 1: Ações da Vale caem -37% desde 20/janeiro

Fonge: Google

Geração de caixa é a principal fonte de valor para o acionista

A geração de caixa é o dinheiro que o negócio traz para o seu dono. É aquele dinheiro que sobra para o empresário quando sua empresa vende um produto ou serviço. Quando dizemos que a Vale pode gerar em um ano 30% do valor de suas ações em caixa, estamos dizendo que o dinheiro trazido pelo negócio “paga um retorno” de 30% ao ano para os acionistas da Vale. É o chamado free cash flow yield (FCFY). Se as ações subirem para refletir o dinheiro novo trazido pelo negócio daqui um ano, naquela parcelinha do patrimônio do acionista investida em Vale, ele será 30% mais rico. Se as ações não subirem mas a empresa pagar esse valor em dividendos, o mesmo vale. Olhando friamente, nos parece um retorno atraente por embarcar à história de recuperação operacional e social que a Vale navega nesse momento.

Assim como não é normal encontrar notas de R$100 na esquina da rua principal da cidade, não é normal encontrar empresas grandes e amplamente acompanhadas com FCFY tão alto como é o caso da Vale. Mercados livres normalmente arbitram esses acontecimentos fora de existencia. As notas de R$100 são bem guardadas, e no caso raro de uma cair na rua, é rapidamente capturada. Investidores normalmente correm para ações que subvalorizam o caixa gerado pelas suas respectivas empresas, fazendo as ações subirem até que o retorno esperado seja mais razoavel.

Por que na Vale tem sido diferente?

No caso da Vale, acreditamos que o “desconto” nas ações seja diretamente relacionado ao rompimento das barragens de rejeito em Mariana (2015) e Brumadinho (2019). Esse desconto tem dois componentes. O primeiro deles é o mais tangível: o custo que a empresa deve incorrer no processo de reparação dos danos ambientais e socials causados por esses eventos, além de os custos para evitar que tenhamos outro rompimento de barragem no futuro. A própria empresa estima hoje e tem provisionado em balanço um valor de ~R$37,0 bilhões para isso. O valor representa ~20% do valor de mercado da Cia, mas pode subir caso multas sejam impostas à medida que transitem na justiça os processos movidos contra a empresa hoje.

O segundo componente do desconto implicito nas ações hoje é o que chamamos de intangível; algo impossivel de medir. É o desconto de preço causado pela ausencia de uma parcela relevante de investidores mundialmente que preferem passar longe de ações de empresas com reputações manchadas quando se trata de assuntos ESG: fatores ambientais, sociais e de governança corporativa. Há inclusive fundos de investimentos estrangeiros proibídos de investir na Vale devido ao seu histórico recente de tragédias. As ações da Vale viraram aquela nota de R$100 na esquina da rua principal da cidade que você desconfia ser contaminada por coronavirus. Vai deixá-la lá.

O retorno potencial não pode ser ignorado…

Estamos propondo que o retorno esperado nas ações da Vale, calculado conforme o potencial gerador de caixa da Cia em condições atuais de mercado (em plena crise de covid-19), bem paga o acionista que dê o benefício da dúvida às forças internas e externas que podem elevar a Vale para um novo patamar de ESG no futuro. Acreditamos que o conjunto de esforços do conselho de administração da Cia, da sua diretoria, das autoridades publicas e da sociedade é capaz de sanar os problemas que culminaram no rompimento das barragens de Mariana e Brumadinho.

O que nos faria acreditar nisso?

Recomendamos a leitura do que consideramos ser o documento mais importante sobre o rompimento da barragem de Brumadinho: o Sumário Executivo do Relatório da Investigação Independente do Rompimento da Barragem 1 da Mina Córrego de Feijão, feito pelo Comitê Independente de Assessoramento Extraordinário de Apuração (CIAEA) a pedido do conselho de administração da Vale. O documento descreve: (1) de forma geotécnica, o processo físico que levou ao rompimento da barragem; e (2) uma cronologia interessante de eventos que demonstram como incentivos conflituosos nos processos internos da Cia eventualmente contribuíram à tragédia. Esse último ponto remete ao que os economistas chamam do problema principal-agente.

O problema surge quando um “agente” (por ex: um certificador de estabilidade de barragem ou um colaborador da mineradora que o contrata) tem poder para influir o destino de um “principal” (por ex: eventuais vítimas de um rompimento de barragem) quando os interesses entre eles são conflituosos. O interesse do agente é certificar o maior número de barragens possivel, o que pode incentivá-lo a ser leniente nos critérios de avaliação para agradar seu cliente. O mesmo vale para o agente que o contrata. O interesse do principal é que nunca ocorra rompimentos. Claramente esses interesses são desalinhados.

Entendemos que, no caso da Vale e suas barragens, há como atacar esse problema de frente: dando a uma figura isenta e terceira a tarefa de contratar o certificador da barragem. A remuneração dessa figura deve ser atrelada à segurança de barragem (não ao volume de certificações) e alta suficiente para compensar a responsabilidade de eventualmente ter que responder criminalmente por tragédias envolvendo barragens. O salário dessa pessoa deve ser pago pelo poder público, financiado por contribuições da indústria minerária. Dessa forma, tira-se o conflito de interesses entre os “agentes” de certificação e o “principal” que sofre as consequencias de suas atitudes. Acreditamos que a ampla discussão dada ao tema na investigação entregue ao conselho de administração deixa aparente a necessidade de atacar esse desalinhamento de incentivos para impedir, juntamente com outras iniciativas, futuros rompimentos de barragens. Seres humanos respondem a incentivos. Se mudarem os incentivos, os resultados mudam também.

Mas até resolver….a ação não vai subir nunca?

Você deve estar pensando: A boa reputação não será recuperada da noite para o dia. Achamos que a geração de caixa atual da Cia vence essa demora. A analogia do empresário que investe no seu negócio buscando um free cash flow yield exemplifica bem a tese de investimento na Vale porque o principal negócio da Vale é maduro e bom gerador de caixa. A Vale já está entre as maiores empresas de um setor com relativamente poucos competidores (minério de ferro). A não ser que ela escolha buscar novos desafios em negócios parelelos ao de minério de ferro, repetindo erros ainda não superados do passado (carvão, níquel), é dificil argumentar que a Vale irá usar sua forte geração de caixa futura em aventuras. Acreditamos que, dado o posicionamento estratégico da Cia, esse dinheiro deve voltar para o acionista. Aí mora o retorno atraente de quem investe na Vale hoje. Mantidas as consdições de mercado atuais (preço de minério, dólar, demanda por minério), se a Vale distribuir todo o caixa gerado pela empresa nos próximo 5 anos, líquido de despesas já conhecidas porém não incorridas com reparações ligadas à Brumadinho e Samarco, o retorno total ao acionista que compra a ação hoje será 115%. Esse valor desconsidera qualquer contribuição dos negócios de metais básicos, atendendo aos que julgam mal o potencial da Vale de gerar valor fora seu carro chefe no minério de ferro.

O covid-19 deve travar a economia mundial. Como isso impacta a Vale?

O principal negócio da Vale é extrair, beneficiar e vender minério de ferro para produtores de aço. Os mercados finais do minério de ferro são os mercados de automóveis, eletrodométicos, pontes, prédios; tudo que leva aço. A China é o maior produtor de aço e portanto o maior consumidor de minério de ferro no mundo. Em um cenário sem coronavírus, o principal motor de crescimento para a demanda por minério de ferro era o crescimento da economia chinesa. No final de 2019, antes que ficasse claro o potencial comprometedor do coronavirus para a economia chinesa e global, estávamos em compasso de melhora nas relações comerciais entre EUA x China (Phase 1 deal). Digamos que o cenário estava levemente promissor. Com as quarentenas impostas pelo governo chinês no fim de janeiro, os dados de atividade pioraram profundamente. As vendas de veículos nas primeiras duas semanas de fevereiro caíram >90%. O índice Caixi/Markit Manufacturing PMI, que estima o desempenho da industria, caiu de 51.1,x para 40,3 (-21%). Mas um setor foi um pouco mais resiliente: estimamos que a produção de aço bruto caiu somente 1-2% em fevereiro. Os dados oficiais ainda não saíram mas houve notícias na mídia especializada de crescimento de +3% na soma de janeiro+fevereiro. Como sabemos que a produção de janeiro subiu +7% (dados World Steel Association), fizemos a conta de chegada para estimar os 1-2% de queda para fevereiro. Acreditamos que trata se de uma acomodação branda, provavelmente causada por dois motivos: (1) o processo de desligamento de um forno de aço é complexo e dificil de justificar sem que haja algo estrutural e permanente mudando no mercado; e (2) é muito importante para o governo chinês defender sua economia nesse período de ajuste ao coronavirus. Manter a produção de aço ajuda nesse sentido.

Desde que os ativos de risco mundo afora começaram a sofrer quedas fortes em meados de janeiro, o preço do minério de ferro se manteve estável no patamar de ~US$90 por tonelada no mercado internacional. Olhando em reais, devido à alta do dólar, o preço do minério subiu +18%. É nesse preço em reais que o negócio da Vale se mostra altamente gerador de caixa.

Vai durar para sempre? Minério e dólar são ativos voláteis!

É verdade que não se deve contar com o nível de minério nem o nível do dólar. Ambos são ativos com volatilidade. O valor de ambos deriva de muitos fatores imprevisíveis. O que nos dá “conforto cognitivo” (frase do @luizfalvesjr) é a margem de segurança que existe para quem compra ações da Vale hoje. Para que o preço das ações da Vale representasse hoje um múltiplo EV/EBITDA em linha com seu próprio histórico, o minério teria que estar US$56/tonelada ou o dólar 2,65, ou algo no meio do caminho para os dois. Em outras palavras, o retorno ao acionista será razoável para padrões históricos da Vale mesmo com quedas expressivas nas cotações do minério e dólar.

Disclaimer: As opiniões, análises e informações contidas nesse artigo não constituem recomendação de investimento, nem tampouco material de oferta para subscrição, compra ou venda de títulos ou valores mobiliários, instrumentos financeiros, cotas em fundos de investimento ou qualquer produto ou serviço de investimentos. Declarações contidas neste artigo relativas às perspectivas dos negócios, projeções de resultados operacionais e financeiros, bem como referências ao potencial de crescimento das companhias citadas, constituem meras previsões, baseadas nas expectativas do analista responsável em relação ao futuro. Essas expectativas são altamente dependentes de fatores incertos, como o comportamento do mercado, da situação econômica do Brasil, da indústria e dos mercados internacionais. Portanto, cada declaração aqui escrita está sujeita a mudanças, e não deve ser utilizada como insumo para qualquer estratégia de investimento pessoal ou institucional. A Versa Gestora de Recursos Ltda., seus sócios e colaboradores, por meio dos fundos de investimentos da casa, podem ou não estarem posicionados em títulos e valores mobiliários de emissores aqui mencionados, de forma que eventualmente influencie nas opiniões e análises aqui presentes.