O que fazer com os investimentos após o Brexit

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Diferentemente desta ilustração, os jovens votaram a favor da permanência na UE, e os idosos pela saída
Diferentemente desta ilustração, os jovens votaram a favor da permanência na UE, e os idosos pela saída

A vitória do Brexit, a saída da Inglaterra da União Européia, trouxe grande apreensão ao mercado. No dia seguinte à votação, a Libra Esterlina desvalorizou-se 8% frente ao dólar e 6% frente ao Euro, oscilação extrema para moeda. O movimento reflete a expectativa dos mercados que o Brexit fará a economia inglesa se enfraquecer e levará o Banco Central a cortar a já baixa taxa de juros, de 0.5%. Ainda neste dia, a bolsa da Inglaterra caiu apenas 3%, enquanto da Alemanha caiu 7% e da França 8%, e as bolsas dos países da UE com pior situação fiscal caíram ainda mais, lideradas pelos 13% da Grécia , seguido pelos 12% da Itália e da Espanha. Isto mostra a preocupação dos mercados com a desintegração da União Européia. Estas oscilações levantam a sobrancelha dos gestores, e faz enxergar nuvens pretas no horizonte, mas qual é o verdadeiro prejuízo do Brexit para as economias britânica, da Europa e do mundo? E quais as repercussões políticas dentro do bloco europeu? A União está próxima de se desintegrar? Fomos atrás dessas respostas para confrontar com a estratégia da carteira, e verificar a necessidade de ajustes.

Nossa pesquisa foi baseada no research das principais casas estrangeiras, como JP Morgan, Goldman Sachs, Credit Suisse e Gavekal. Em cada casa, economistas, estrategistas e analistas setoriais interagem continuamente, fornecendo análises que são insumos para os outros. Por exemplo, as conclusões dos economistas sobre o PIB e a reação do Banco Central inglês são insumo para o especialistas em carteiras, que opinam se o cliente deveria diminuir sua posição em ações. Esta é uma estrutura similar ao trabalho em uma gestora de recursos, onde os elementos macro e micro econômicos são investigados e discutidos, afetando a alocação da carteira.

A conclusão desta pesquisa é que o Brexit será um processo negocial lento, que levará ao menos 2 anos, e ainda não é definitivo. A vitória apertada diminui o ímpeto eurofóbico nos outros países. Ainda, as consequências econômicas da saída, para os que adotaram o Euro como moeda, são mais drásticas que o caso inglês , tornando improvável o sucesso de um plebiscito semelhante, como aconteceu na Grécia. Continuando o Bloco como está, o impacto do Brexit na economia britânica será pequeno e temporário, afetando levemente a União Européia, e não influenciará as economias da Ásia e emergentes. Por este motivo, o impacto nas commodities é negligenciavel. Por último, o Brexit desencadeará um novo ciclo de afrouxamento monetário no mundo, com o Banco Central inglês cortando juros para zero, o Banco Central Europeu expandindo o programa de compra de títulos, e o FED americano demorando mais para subir os juros. Os próximos dias serão de maior volatilidade, impactada pela aversão a risco, que diminuirá conforme os Bancos Centrais atuarem e o Brexit for saindo do holofote. Sobre o que fazer com os investimentos, fundamentalmente não vemos motivo para mudar a posição da carteira, otimista e comprada em commodities, e vemos uma desvalorização aguda das ações como oportunidade de compra. Permaneceremos atentos a qualquer mudança nas premissas, listadas em seguida, que embasam as conclusões. Se os fatos mudarem, mudaremos de ideia.

Política

A análise do Brexit precisa começar pela política, que é a maior fonte de incertezas, onde podem aparecer problemas maiores, como a ruptura da União Européia. Antes mesmo do referendo, analistas projetaram duas repercussões diferentes, uma para ampla vitória do Brexit e outra para apertada. A saída da Inglaterra do bloco dar-se-a em 2 anos a partir da invocação do Artigo 50, cláusula de saída da UE. Os especialistas previram que um Brexit com ampla adesão levaria a uma invocação imediata do Artigo, enquanto uma vitória apertada, como aconteceu, levaria a rachas no partido Conservador, que precisaria eleger um novo líder, o que poderia levar até seis semanas. Isto atrasaria a invocação do Artigo e, dependendo da reação da Libra e do FTSE, poderia gerar pressão popular contra a saída, levando até mesmo à convocação de um segundo referendo para reiterar o Brexit. Também há a possibilidade do partido Conservador não conseguir maioria do Parlamento, levando a rainha a dissolvê-lo e a chamar novas eleições, demorando ainda mais para invocar o Artigo.

De fato, no dia seguinte ao Brexit o primeiro ministro David Cameron renunciou, e a briga interna no Partido Conservador começou. O mais cotado para assumir o cargo é o ex-prefeito de Londres, Boris Johnson, que apoiou o Brexit na última hora para, se posicionando como alternativa à Cameron. Ao mesmo tempo, um abaixo assinado pedindo um novo referendo já coletou mais de 3 milhões de assinaturas, obrigando o Parlamento a apreciá-lo. Assim, a invocação do Artigo 50 deve atrasar, e ausência de maioria esmagadora causa uma repercussão menor no resto do continente eurofóbico, onde mora o perigo.

A discussão central que levou ao Brexit é a falta de autonomia dos países da UE para determinar suas políticas de imigração. O êxodo a partir do Oriente Médio e Norte de África amedronta os europeus com a perda de empregos, pois os imigrantes são uma mão-de-obra barata e razoavelmente qualificada (muitos são engenheiros, arquitetos, médicos, etc), e o choque cultural entre os povos aumenta a intolerância aos recém-chegados.

Protestos contra os imigrantes em Praga, na Rep. Checa
Protestos contra os imigrantes em Praga, na Rep. Checa

Com isso, países do norte da Europa, como Suécia e Dinamarca, assistem ao crescimento da extrema direita, enquanto países do sul, que estão implementando duros pacotes de ajuste fiscal, como Espanha e Grécia, vêm a ascensão de partidos de esquerda. Ambos grupos, apesar da diferença, centralizam as campanhas em referendos pela saída da UE. Junta-se ao coro a direitista Marine Le Pen, da França, cujo partido ficou em terceiro lugar nas últimas eleições. O principal risco oriundo do Brexit é a vitória destas ideologias, que levaria ao esfacelamento da União Européia, mas não acreditamos que isso irá acontecer, por duas razões: impactos econômicos e equilíbrio de forças

Primeiro é preciso diferenciar países que pertencem à União Européia daqueles que adotaram o Euro como moeda. A saída de um país com moeda própria, como a Inglaterra, Suécia, Noruega, Romênia, entre outros, tem consequências econômicas menos severas do que a dos outros. Não há necessidade de definir o valor da nova moeda, sua razão de conversão, pois já é livremente negociada, e o câmbio flutuante ajusta seu valor instantaneamente à saída, como aconteceu com a Libra. Já a partida de um país com Euro leva imediatamente a uma corrida bancária, como aconteceu no Chipre e na Grécia quando o bloco ameaçou expulsá-las. A perspectiva de uma nova moeda desvalorizada fez a população resgatar a maior quantidade de Euros possível das contas, ameaçando a estabilidade do sistema financeiro destes países.

Corrida bancária na Grécia
Corrida bancária na Grécia

Na Grécia o governo restringiu saques em caixa-eletrônicos, declarou feriados bancários, e se comprometeu a injetar dinheiro nos bancos em caso de insolvência. Ainda assim, as reservas bancárias foram dilapidadas. Uma crise bancária deste tipo em economias maiores e interconectadas como a França e Espanha seria uma catástrofe para os países e para o Bloco, com profunda recessão e empobrecimento da população. Isso torna menos provável a vitória de um referendo pela saída da UE. Uma prova cabal disto aconteceu na própria Grécia. Diante da falência do Estado e do rigoroso ajuste fiscal imposto pelo bloco, o governo grego de direita perdeu a maioria no Parlamento e caiu. Convocou-se novas eleições e o partido de esquerda radical Syriza venceu, com um discurso anti União Européia, prometendo combater o ajuste fiscal. Começou, então, uma guerra entre a Grécia e o Parlamento europeu, que terminou com um ultimato do bloco ao país: ou aceitavam os termos do ajuste proposto, ou seriam expulsos do bloco. O primeiro ministro Alex Tsipras convocou um referendo sobre a aceitação das condições e, apesar do “Não” vencer com 61% dos votos, Tsipras recuou e fechou o acordo com o bloco. A decisão oposta ao plebiscito e à ideologia do partido mostra o tamanho do custo de saída do bloco. O primeiro ministro preferiu comprometer sua biografia desta forma, à comprometê-la com as conseqüências de abandonar o Euro.

Do outro lado, também não interessa para a Alemanha abandonar os “patinhos feios” da Zona do Euro. O país é o maior exportador do bloco, e o segundo maior do mundo. Se a UE se desfizesse, como a Alemanha tem situação fiscal sólida e balança superavitária, sua moeda se valorizaria imediatamente em relação às outras, afetando as exportações, derrubando a inflação, e comprometendo o crescimento econômico. Assim, existe um equilíbrio de forças que, em uma escalada de plebiscitos pela saída do Euro, levaria a Alemanha a fazer concessões pela união do Bloco.

Desta forma, apesar do risco de aumento da pressão política anti União Européia, acreditamos improvável que isso leve à dissolução do bloco, e vemos boas chances de levar a uma flexibilização de regras, como a de imigração. Após o Brexit, os líderes do Bloco passaram a advogar em favor uma maior integração economia dos países, o que aumentaria o custo e desencorajaria futuras saídas.

Economia

Supondo que o bloco europeu continue como está por algum tempo, espera-se que o Brexit tenha um impacto negativo de 0.8% a 1.2% no PIB da Inglaterra em 2016 e 2017, mas como aguardava-se um bom crescimento por lá, ao redor de 2%, não haverá recessão. A redução do PIB é consequência do aumento da incerteza, que afeta o investimento empresarial, e da desvalorização da Libra, que afeta a inflação e o poder de compra das famílias. Já o impacto na Zona do Euro deve ser ao redor de 0,5% do PIB, que crescerá 1,5%, e para o resto do mundo o impacto é irrisório. A Inglaterra é um grande país, com 63 milhões de habitantes, e rico, o 23° maior PIB por habitante do mundo, porém é apenas de 2.5% a 4% do PIB mundial, dependendo da comparação. Por isso, apesar de esperar-se uma desaceleração da economia britânica, a magnitude da piora, 1%, é pequena, e pela economia ser apenas 3.2% do PIB global, afetará levemente os parceiros comerciais diretos, como a União Européia, mas não contaminará o resto do mundo.

Parte do choque econômico do Brexit será contido pelo afrouxamento das políticas monetárias pelo mundo. Todos os especialistas esperam que o Banco Central Inglês corte juros já na reunião de Agosto, levando a taxa de 0.5% para próxima a zero. Espera-se também uma nova rodada de injeção de liquidez na economia britânica, com compras de títulos de até GBP 75bi. O Banco Central Europeu, com taxas zeradas, deve expandir seu programa de compras. Por último, o FED americano, que subiria juros em breve, agora deverá aguardar até o final do ano, e fará apenas uma alta. Por aqui, se a depreciação do Real pós-Brexit não afetar a inflação, espera-se que a onda baixista de juros pelo mundo ajude o Banco Central a cortar a taxa SELIC mais agressivamente.

Commodities

A Inglaterra é responsável por apenas 1% da demanda global por commodities industriais, e a Europa inteira por 14%. Já a China consome 44% das matérias primas produzidas no mundo. Como os especialistas acreditam em um pequeno impacto na economia européia e nenhum impacto nas economias asiáticas, incluindo a China, não revisaram as projeções de preço das matérias-primas. Para o minério de ferro, por exemplo, o JP Morgan manteve a projeção de 53 USD/ton em 2016 e 48 USD/ton em 2017. Por outro lado, os analistas reconhecem que um movimento de aversão à risco prologando levaria ao fortalecimento do dólar, o que afetaria o preço das commodities; mas não apostam nesse cenário.

S&P

Somando a receita de todas as empresas que compõe o S&P, apenas 1% vem da Inglaterra e apenas 6-7% vêm da Europa. Assim, o impacto do Brexit na bolsa americana é pequeno. Por outro lado, especialistas mostraram preocupação com um ajuste sincronizado da carteira de fundos com estratégias de minimização de volatilidade. O aumento do nervosismo do mercado, exacerbado no dia seguinte à votação, obriga estes fundos, muitos baseados em algoritmos computacionais, a reduzirem suas exposições até o mercado acalmar. O JP Morgan estima que a venda de ações possa chegar a US$ 300 bi, um ajuste técnico que não representa uma mudança fundamental na alocação.