GM: De Volta Aos Fundos da Versa, GM é Exemplo “Livro-Texto” de Value Investing

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Em maio/2020 escrevemos sobre nosso primeiro investimento no exterior: General Motors. Na época, a empresa estava começando a direcionar capital para as vertentes de carros elétricos e carros autônomos, diante de muita descrença. O mercado olhava para aquilo como uma grande aposta (US$20 bilhões) em algo que dificilmente conseguiria de fato competir com a Tesla. Pior que isso: se a transição fracassasse, a empresa morreria junto com o motor à combustão interna. Essa visão estava clara nos preços das ações da GM, que negociavam a múltiplos de valuation muito baixos (preço/lucro de ~5x). Passados quatro anos, a GM está de volta à carteira principal de ações dos nossos fundos. Com isso, estamos fazendo uma atualização desse caso que consideramos ser uma das histórias corporativas mais interessantes dos últimos anos. O caso da GM exemplifica bem questões de alocação de capital corporativa e da relação entre risco e retorno que guia nossas decisões de investimento em ações.

Atrasada na Transição para o Carro Elétrico

Em 2020, apesar de “atrasada” (principalmente em relação à Tesla) no conceito de carro elétrico, achávamos a GM bem posicionada para atacar o segmento de forma mais relevante a partir do momento que ela se propôs de fato a fazer isso. Por décadas a GM liderou os segmentos em que atuou, conquistando o cliente e construindo escala de manufatura para entregar veículos bons por preços competitivos. O plano de desenvolvimento de um novo sistema de bateria nos fazia crer que não faltava capacidade para GM ser protagonista no segmento. O “atraso” foi uma questão de aguardar para ver se o mercado realmente demandaria milhões de carros elétricos, antes de comprometer muito capital na aventura. O sucesso da Tesla até então motivou a GM a ir em frente com a transição, e nossa visão sobre a tentativa da GM era de que ela teria um de três possíveis desfechos. 

Primeiro: o carro elétrico entraria no gosto do consumidor mainstream, criando um mercado grande onde a GM atuaria entre os melhores, abrindo mão do seu antigo negócio de combustão interna por um novo negócio de carros elétricos, a um custo grande de pesquisa/desenvolvimento e investimento em capital fixo, mas que valeria a pena para o acionista frente aos preços baixos das ações na bolsa. 

Segundo: o carro elétrico deixaria de ser moda e a GM poderia desistir (ou reduzir drasticamente) o investimento necessário para a transição, e se voltar ao bom e velho (e rentável) negócio de montar carros de combustão interna, principalmente as super rentáveis picapes. 

Terceiro: a Tesla dominaria o mercado automotivo, expulsando a GM e outras rapidamente. 

No primeiro cenário, com um custo de transição grande e concentrado nos anos seguintes, as ações ainda eram baratas. No segundo cenário, em que a transição não fosse necessária, ou ao menos não fosse tão rápida (ou seja, demandando capital só aos poucos), as ações eram mais baratas ainda. E o terceiro cenário já estava plenamente “precificado” nas ações.

A Cereja do Bolo

Além dessa dinâmica em que dois dos três desfechos para seu negócio de montar carros para uso individual fariam o valuation da GM atraente, o caso de GM tinha uma “cereja no bolo”: sua subsidiária Cruise. A Cruise é a divisão de robotáxi da GM. Também consumidora de caixa nos últimos anos dado o trabalho intenso para criar e desenvolver o negócio, a Cruise representava o que o jargão financeiro chama de “opção real”. Se em 2020 uma empresa de carona que remunera um motorista conseguia valer US$100 bilhões na bolsa (o valor da Uber na época), quanto valeria um sistema de táxi autônomo que dispensa motorista e opera 24h por dia, parando somente para fazer reparos e carregar a bateria? O que significaria o surgimento de um negócio novo, valendo eventualmente mais de US$100 bilhões, para uma empresa com valor total de mercado, incluindo seu negócio incumbente (montar carros) de somente US$35 bilhões?

Nós rapidamente chegamos à conclusão de que bastava um dos negócios da GM vingar (a montadora ou a divisão de robotaxi) para que o outro estivesse de graça ou até mais barato que isso. O nosso racional era: Se a Cruise pode um dia valer, que seja metade da Uber (ou seja US$50 bilhões), o “resto” estaria com valor de mercado negativo de -US$15 bilhões ($35bi menos $50bi). E se fosse provado equivocado o múltiplo P/L de 5x, que implicitamente dizia que o negócio tradicional da GM deixaria de existir com o fim do motor a combustão interna em 5 anos (em 2025!), a re-precificação desse múltiplo permitiria às ações da GM subirem mesmo se a Cruise fosse um fracasso.

Afinal, Deu Certo?

Sobre os Carros Elétricos: De 2020 a 2023, a venda de veículos elétricos nos EUA multiplicou por 4,3x. Na GM no mesmo período, a venda de veículos elétricos multiplicou por 3,7x. Apesar de ter crescido um pouco menos que o mercado de veículos elétricos como um todo, a GM perde somente para a Tesla, dado que a marca Chevrolet é a 2a no ranking de participação de mercado de veículos elétricos nos EUA. A maior parte da atuação da GM nos veículos elétricos ainda é a partir do seu modelo já disponível há muitos anos Bolt EV. O trabalho de desenvolver uma nova plataforma de bateria para os lançamentos mais recentes (Hummer EV, Cadillac Lyriq, Equinox EV, Silverado EV, Blazer EV, Cadillac Celestiq) ainda não deslanchou de fato, pois a empresa ainda está aumentando a capacidade de produção de baterias e adequando as linhas de montagem para os novos modelos. Achamos satisfatório o desempenho da GM no front de veículos elétricos dado que ela praticamente acompanhou o forte crescimento do mercado usando somente sua plataforma antiga. Achamos que quando a empresa conseguir de fato virar a chave para o novo portfólio de veículos elétricos baseados no sistema “Ultium”, que tem modelos muito mais desejáveis que o Bolt EV, sua participação de mercado deve aumentar também. Dito isso, a verdade é que após forte crescimento entre 2020 e 2023, o mercado total de veículos elétricos nos EUA já deu uma estagnada em 2024. Os últimos dados (maio/2024) mostraram crescimento de demanda de +7% a/a, bem mais lento que o ritmo de +70% que crescia em meados de 2023. O arrefecimento desse crescimento foi má notícia para a Tesla, e boa notícia para a GM, pois um crescimento mais lento desse segmento dá à GM mais tempo para aumentar a produção dos produtos mais avançados da plataforma Ultium. Além disso, permite à empresa reduzir o ritmo de desembolso de caixa na transição de combustão interna para carros elétricos. Enquanto isso, a GM consegue continuar vendendo as picapes rentáveis a combustão interna que ele já faz bem.

Sobre a Cruise: Em 2020, quando investimos na GM pela primeira vez, as operações da Cruise ainda estavam em fase de testes, com os veículos rodando a cidade de São Francisco sem passageiros. Em 2022, a empresa chegou a oferecer o serviço para passageiros e iniciou planos de expansão para duas outras cidades (Phoenix e Austin). Mas no final de 2023, um veículo Cruise se envolveu em um acidente (causado inicialmente por outro veículo dirigido por motorista humano) que culminou na morte de um pedestre. Esse acidente causou um problema regulatório relacionado à responsabilização no caso de acidentes envolvendo veículos autônomos (mesmo que raros comparados a motoristas humanos). O evento levou à perda da licença de operação da Cruise em São Francisco e causou uma redução drástica das operações da Cruise. O grande passo para trás da Cruise é um choque de realidade para quem imaginava esse negócio crescendo e trazendo lucros para a GM no curto/médio prazo. Mas tem seu lado bom, pois ao longo de três anos, o crescimento da operação gerou mais aumentos de despesas de desenvolvimento do que faturamento de fato. O prejuízo anual da Cruise saltou de ~$1,0 bilhão em 2020 para ~$2,7 bilhões em 2023. Agora que a operação sofreu um revés regulatório, a GM tomou a decisão de reduzir as operações e também os prejuízos.

E aí? O que isso tudo significa?

Por incrível que pareça, a derrota regulatória da Cruise e o arrefecimento do crescimento do segmento de carros elétricos foi bem recebido pelo mercado, pois ambas coisas permitem à GM ser mais do que ela sabe ser: um “cash cow” no negócio de montar picapes e SUV nos EUA. Desde novembro do ano passado, as ações da GM sobem +75%. Elas estão entre as 10 ações que mais subiram no índice S&P 500 no período. Tem um motivo. No final de 2023 a GM aprovou um programa de recompra de ações valendo US$10 bilhões (25% do valor da empresa naquele momento) e escolheu aumentar seus dividendos em +30%, passando uma mensagem clara de que tirar o pé das aventuras de carros elétricos e autônomos libera a empresa para retornar os fartos lucros da montadora incumbente para os acionistas da GM. A mensagem vai exatamente na direção do nosso pensamento sobre o investimento em GM quatro anos atrás. Se as aventuras derem certo, as ações têm de subir para refletir o sucesso. E se as aventuras não derem certo, as ações têm de subir para refletir o fim dos investimentos atribuídos às aventuras (assumindo continuidade do negócio de montadora dos carros a combustão interna). No início de Junho/2024, a GM anunciou outro programa de recompra de ações valendo US$6 bilhões. Com isso, a empresa irá acumular uma distribuição de proventos aos acionistas, entre 2022 e 2024, de US$22,1 bilhões, ou ~40% do valor de mercado atual da GM. Trata-se de um “cash yield” anual ~14%, o que consideramos ser um retorno atraente para se investir em uma das melhores montadoras de veículos do mundo.

Alocação de Capital, Risco/Retorno e o Investimento em Ações

Nós como investidores da escola “valor” temos a missão de encontrar ações subavaliadas de empresas cujos administradores são bons alocadores de capital, no sentido que canalizam os lucros não distribuídos aos acionistas para atividades que geram valor. Nós competimos com outros investidores, o que dificulta a tarefa de encontrar empresas que cumprem ambas condições (boa alocação de capital e ações subavaliadas). Às vezes a empresa tem boa alocação de capital (tipo a Tesla), mas já caiu no gosto do mercado, fazendo as ações serem caras frente ao valor gerado pela empresa. Às vezes a ação é barata, mas a empresa tem histórico de destruição de valor, com prejuízos recorrentes e decisões estratégicas equivocadas. E às vezes aparece um caso igual à GM, que combinou as duas coisas nos últimos anos.

A GM chegou a esse ponto por três motivos em nossa visão. Primeiro, porque a empresa tem uma mancha no seu passado: a falência de 2009. Segundo, porque o mercado e a sociedade em geral decidiu acreditar, até recentemente, que 100 anos de inovação e geração de valor pelo setor automotivo tradicional viria a ruína com a transição da propulsão automotiva da combustão interna para a eletricidade. Terceiro, porque o mercado subestima as condições favoráveis de competição e rentabilidade no negócio mais importante da GM desde que a empresa corrigiu os rumos na última década: picapes e SUVs nos EUA, de onde vem a grande maioria dos lucros da empresa e do qual qualquer sobrevida significa muito lucro em relação ao valor de mercado da GM. A descrença generalizada do mercado com a GM nessa história gerou nas suas ações um valuation que condenava a empresa a um destino somente: ruína em ~5 anos  (como “dito” pelo seu preço/lucro de ~5x).

Isso remete a um tema importante para o investimento em ações, que guia nossas decisões por aqui: investir em ações não é uma atividade de previsão do futuro. As pessoas, mesmo dentro do ramo dos investimentos, acham que o nosso trabalho é achar uma ação sobre a qual podemos falar: “essa empresa vai fazer isso ou aquilo, e a ação vai subir”. Muitos ousam ainda dizer quanto a ação vai subir, e em até quantos meses. Nossa abordagem para investimentos é diferente. Usando o linguajar dos pais da economia comportamental Amos Tversky e Daniel Kahneman, nós enxergamos o futuro das empresas como probabilístico, e não determinístico. Em 2020, o mercado viu a tese da GM como determinística: 100% de probabilidade da empresa vir à ruína em mais ou menos 5 anos. No mesmo momento, nós olhamos a tese de GM como probabilística: três desfechos diferentes para seu negócio tradicional, cada um com alguma probabilidade (ainda não precificada) de acontecer, acrescidos de uma cereja do bolo (Cruise). Não precisávamos e nem podíamos “determinar” qual desses desfechos seria o final. Bastava o mercado estar errado de que somente um deles era possível (a ruína em ~5 anos) que as ações em algum momento teriam que subir de preço para corresponder à probabilidade acima de zero (e hoje já bem mais alta) de que a empresa continuaria sim a gerar valor por além de 2025.

Welcome to the Future

Investir em ações é um exercício de tomada de decisões de risco/retorno diante de incerteza. Se quisermos ter sucesso, precisamos admitir que o futuro é incerto e incorporar isso no processo de decisão, analisando o valuation das empresas diante de um futuro com “n” possibilidades. Passados quatro anos, a incerteza vem reduzindo no caso da GM, e os proventos aumentando. A empresa segue negociando a ~5x preço/lucro, que ainda nos parece barato dado a sobrevida conquistada no seu negócio incumbente e a disciplina de capital adotada com as lições aprendidas sobre a trajetória dos negócios de carros elétricos e autônomos. Recentemente o banco americano Morgan Stanley fez uma análise sobre o índice S&P 500, composto pelas 500 melhores e maiores empresas listadas na bolsa americana. O banco listou as empresas em ordem do múltiplo preço/lucro. A GM foi número 496 no ranking, fazendo dela definitivamente ainda umas das ações mais baratas na bolsa americana. Com isso, mantemos o investimento nela. A GM hoje é uma posição de ~6% no Versa Institucional FIA.

Disclaimer: As opiniões, análises e informações contidas nesse artigo não constituem recomendação de investimento, nem tampouco material de oferta para subscrição, compra ou venda de títulos ou valores mobiliários, instrumentos financeiros, cotas em fundos de investimento ou qualquer produto ou serviço de investimentos. Declarações contidas neste artigo relativas às perspectivas dos negócios, projeções de resultados operacionais e financeiros, bem como referências ao potencial de crescimento das companhias citadas, constituem meras previsões, baseadas nas expectativas do analista responsável em relação ao futuro. Essas expectativas são altamente dependentes de fatores incertos, como o comportamento do mercado, da situação econômica do Brasil, da indústria e dos mercados internacionais. Portanto, cada declaração aqui escrita está sujeita a mudanças, e não deve ser utilizada como insumo para qualquer estratégia de investimento pessoal ou institucional. A Versa Gestora de Recursos Ltda., seus sócios e colaboradores, por meio dos fundos de investimentos da casa, podem ou não estarem posicionados em títulos e valores mobiliários de emissores aqui mencionados, de forma que eventualmente influencie nas opiniões e análises aqui presentes.