Na semana passada foi aprovada pelo TCU a privatização da Eletrobras. A oferta de ações que deve ser realizada até o final de junho vai diluir a participação do governo abaixo de 50% e assim permitir que a Eletrobras seja administrada de forma mais eficiente.
Entretanto, a lei 14.182 que permitiu a privatização da Eletrobras não fez só isso. Além de outras resoluções de menor impacto, ela determinou que o sistema elétrico brasileiro contratasse nos próximos 8 anos 8GW de térmicas movidas a gás com 70% do despacho inflexível*.
No momento da aprovação da lei dois fatores indicavam que apesar de ser uma medida ruim pois era o congresso decidindo sobre como o sistema elétrico brasileiro deveria se expandir, ela não seria implementada pois o preço máximo da energia dessas térmicas estaria vinculada a um leilão anterior de energia (preços do leilão A-6 de 2019 corrigidos) e essas térmicas ainda teriam que conseguir levar o gás para gerar a energia até a usina que tem uma localização pré-determinada por lei. Contando com esses custos os projetos seriam possivelmente inviáveis mesmo no preço máximo estipulado.
Porém, tem se visto atualmente uma movimentação cada vez mais forte no congresso para viabilizar as térmicas a gás. Primeiro, mudando o índice de atualização dos preços do leilão de 2019 de forma que o preço do MWh pudesse chegar até a 650/MWh** e ainda não suficiente tentando agora criar o Brasduto, um projeto para investir R$100bn na construção de gasodutos subsidiados. A construção desses gasodutos poderia viabilizar a contratação das térmicas já que o custo de transporte do gás passaria a ser muito menor.
No momento da aprovação da lei, não se sabiam os custos das térmicas inflexíveis, mas a EPE (Empresa de Pesquisa Energética, vinculada ao Ministério de Minas e Energia) publicou o Plano Decenal de Expansão de Energia de 2031 e nesse plano o órgão incorpora dois cenários: (i) com a expansão do sistema sendo direcionada pelo mercado e pelo regulador, denominado de cenário livre e, (ii) com a expansão seguindo as diretrizes do chamado cenário de referência no qual o sistema segue as diretrizes das leis aprovadas pelo congresso, sendo a mais importante a construção das térmicas inflexíveis.
Nesse segundo caso os cálculos de EPE indicam um sistema 158% mais poluente (figura 1) e com um custo de operação e implementação total de R$50bn a mais do que no cenário livre, a preços de hoje. Este custo deverá ser rateado por todo o sistema e vai acarretar num aumento no custo de energia para consumidores residenciais e industriais.
Figura 1 – Relatório PDE 2031 página 112
Esta diferença abissal de custos ocorre por causa da inflexibilidade das térmicas que despacham num custo por MWh que pode chegar a R$650/MWh, muito maior do que a energia solar ou eólica que poderia ser implementada no lugar dessas térmicas e que teriam um custo de energia entre 100 e 200/MWh. Devido a inflexibilidade das térmicas o que ocorre no cenário de referência é que a expansão de energia eólica e solar é muito menor do que no cenário livre, tornando o sistema como um todo muito mais poluente.
A contratação dessas usinas deve também acarretar um sistema elétrico com sobra de energia, fazendo com que os projetos de expansão de energia eólica e solar fiquem menos atrativos.
Tanto as térmicas inflexíveis quanto os gasodutos são completamente desnecessários para a segurança energética do Brasil e acarretam um custo que conjuntamente com os aumentos das tarifas de energia recentes podem tornar a conta total do sistema impagável tanto para o consumidor quanto para a indústria.
Com esse risco em mente mantemos nossa exposição no setor principalmente em empresas de distribuição de energia como Neoenergia e Energisa que repassam esses custos ao consumidor. Entretanto, se por cima dos aumentos normais de tarifas o consumidor for obrigado a pagar a mais por um sistema mais poluente e ineficiente, o risco do congresso aprovar algum controle de tarifa de energia irá continuar a aumentar.
*A Lei 14.182 de Julho de 2021 define que as usinas térmicas contratadas têm que despachar 70% do tempo por isso são classificadas como inflexíveis.
Normalmente térmicas são usadas para atender demanda de ponta, portanto são despachadas apenas quanto as energias hídricas, eólicas e solar não conseguem atender a carga. No cenário livre, a EPE recomenda a contratação de térmicas, porém térmicas flexíveis.
Lei 14.182, de 12 de Julho de 2021
https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/lei-n-14.182-de-12-de-julho-de-2021-331549377
Plano Decenal de Expansão de Energia 2031
Reportagem sobre aumento projetado do custo de energia
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