A Semana Macro (31/08) – Comprado, Câmbio, Desligo.

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Em meio a incertezas fiscais, o real voltou a destoar de outras moedas emergentes e daquilo que os fundamentos poderiam sugerir. Os efeitos disto são claros no rápido ajuste da conta corrente e começam aparecer na inflação. Ainda enxergamos este descolamento como transitório, abrindo espaço para valorização do real nos próximos meses.

O real se desvaloriza…

Em meio aos ruídos da política, o real voltou a destoar de outras moedas emergentes, do que já era uma das maiores depreciações desde o início da pandemia. Os 5.39 do fechamento de sexta-feira representam uma desvalorização de 34% no ano, ante 23% da Lira Turca, a segunda pior moeda do grupo. Seguindo a desvalorização média das principais moedas emergentes no período, o real deveria estar rodando próximo dos 4.39 apenas.

Gráfico 1: Real vs. cesta de moedas emergentes* (normalizada, 2019=BRL médio)

* RUB, MXN, COP, ZAR, TRY, CLP, HUF, IDR, PLN
Fonte: Bloomberg e Versa Asset

Seria natural atribuir todo este descolamento às incertezas vindas de Brasília. Como argumentamos anteriormente, uma eventual perda da credibilidade fiscal colocaria em xeque qualquer recuperação econômica. Discussões sobre mudanças das prioridades do governo neste momento certamente não ajudam. Seria isto uma razão para justificar tamanho descolamento do real? Rodando alguns modelos, este não nos parece ser o caso.

Abaixo temos um gráfico comparando a taxa de câmbio realizada e a taxa sugerida por um modelo de “valor justo”. Para os menos familiarizados, escrevemos sobre isto algum tempo atrás. Para os mais familiarizados, basta saber que o modelo leva em conta o diferencial de juros Brasil-EUA de 2 anos, o valor global do dólar (dollar index), o preço das commodities (CRB) e o risco de crédito soberano medido pelo CDS spread de 5 anos.

Gráfico 2: taxa de câmbio R$/US$, modelo vs. realizado (médias semanais)

Fonte: Versa Asset

Interessante notar que a despeito do ruído político e da desvalorização da taxa realizada, o câmbio “justo” sugerido pelo modelo continuou se valorizando nas últimas semanas. Esta valorização estaria ligada a fraqueza global do dólar e a alta recente nos preços das commodities, ambos se sobrepondo ao aumento do risco fiscal. O hiato entre a taxa realizada e a sugerida pelo modelo nunca foi tão grande.

Ao olharmos um horizonte mais longo, a desvalorização do real também chama atenção. No gráfico abaixo vemos a taxa de câmbio real (ou seja, ajustada pela inflação) nos últimos 30 anos. A linha cinza mostra esta em relação ao dólar americano e a linha verde em relação a uma cesta de moedas dos principais parceiros comerciais do Brasil. A taxa de câmbio só não está mais desvalorizada do que na crise das eleições de 2002. No final do governo Dilma, episódio mais recente de profunda crise de credibilidade fiscal, o câmbio rodava perto dos R$4,35 a valores de hoje. Estamos tão piores assim?

Gráfico 3: Taxa de câmbio real (US$ e efetiva)

Fonte: BC e Versa Asset

… as contas externas se ajustam…

Com tamanha desvalorização do câmbio, o ajuste das contas externas tem sido mais rápido do que a maioria dos economistas previam no início da crise. Os dados da balança de pagamentos de julho divulgados na semana foram bastante indicativos neste sentido. O saldo em conta corrente foi positivo em US$1.6 bilhão, acima das estimativas de mercado (US$750 milhões). A melhora tem sido clara não só nos fluxos da balança comercial, mas também na de serviços e de rendas. Tudo indica que teremos os melhores resultados em conta corrente em mais de uma década neste e no próximo ano.

Gráfico 4: Saldo em transações correntes (saar % do PIB)

Fonte: BC e Versa Asset

… e a inflação começa a aparecer

Os efeitos da depreciação cambial também tem se mostrado na inflação, levantando algum alerta sobre os juros. O IGP-M de agosto voltou a surpreender, registrando alta de 2.74% no mês, acima das estimativas dos economistas (2.57%). Em doze meses o IGP-M já acumula alta de 13%, maior valor desde 2008. Pra quem não sabe, o indicador difere do IPCA por ser um índice geral de preços, ou seja, também incorpora os preços no atacado, incluindo produtos finais, bens intermediários e commodities. Como muitos destes itens são cotados em dólares, o IGP-M costuma ser mais sensível a variação cambial. Junte-se a isso a alta recente dos preços das commodities e temos a receita para IGPs em alta.

No gráfico abaixo vemos a variação em 12 meses do IGP-M e do IPCA. Embora o primeiro seja muito mais volátil, os dois costumam andar na mesma direção. Dito isto, é realmente impressionante ver o IPCA em mínimas históricas nas últimas leituras. A alta dos preços no atacado não vai chegar ao consumidor?

Gráfico 5: Inflação acumulada em 12 meses do IPCA/IPCA-15 e IGPs (%)

Fonte: IBGE e FGV

De fato, os número do IPCA-15 de agosto divulgados na semana soaram como um sinal de alerta neste sentido. Embora, a inflação de 0.23% no mês tenha ficado dentro do esperado, sua composição chamou atenção. De um lado, o grupo de serviços surpreendeu pra baixo, registrando queda de -0.49% no mês devido aos descontos nas mensalidades anunciadas por muitas escolas para o 2º semestre. De outro, os preços dos alimentos e bens industriais subiram além do padrão histórico, indicando algum impacto do câmbio mais depreciado.

Vale ressaltar que as medidas de núcleo de inflação (que tentam diminuir o peso de fatores atípicos) ainda seguem em patamar muito baixo. Uma eventual reversão destas medidas deveria preocupar mais.

Gráfico 6: Inflação mensal (MoM%) em grupos do IPCA/IPCA-15

Fonte: Versa Asset

O que esperar?

Diante de tamanho descolamento da taxa de câmbio, tanto em relação a outros emergentes quanto a seus fundamentos, a primeira questão seria naturalmente explicá-lo. Há certo consenso de que a rápida redução da Selic seria uma das razões. De uma hora pra outra, o real passou de uma moeda que “paga” muito juros para uma que paga muito pouco na comparação com outros emergentes. Para nosso perfil de risco, o real é a moeda emergente com juros básicos mais baixos do mundo. Ou seja, um candidato natural para estar na ponta vendida de operações entre moedas emergentes. Daí viria boa parte da pressão nos últimos meses.

Bem, e por que essa dinâmica deveria reverter tão cedo? Aqui entra o ajuste das contas externas. Como vimos, o ritmo de melhora do saldo em conta corrente tem surpreendido bastante, caminhando para um superávit neste e no próximo ano. Do lado da conta capital, deveríamos esperar moderação de alguns fluxos de saída. Com a taxa Selic historicamente baixa, muitas empresas trocaram sua dívida em dólar por dívida em real, gerando demanda adicional por dólares no curto prazo. No mesmo sentido, mudanças regulatórias no sistema bancário (diminuição do “overhedge”) também levaram a um aumento temporário da demanda por dólares nestas instituições. A consolidação do ajuste da conta corrente e o fim destas pressões deveria abrir espaço para valorização do R$ nos próximos meses. Algo um pouco abaixo dos R$5,00/US$ nos parece fazer sentido se as incertezas fiscais não atrapalharem.

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