Com a piora do cenário de inflação, o Copom falou mais grosso na reunião da última quarta-feira. Embora tenha mantido a Selic em 2% como já era amplamente esperado, o BC começou a se preparar para uma possível subida de juros nos próximos meses. Neste sentido, chamou a atenção a retirada explícita do forward guidance, uma espécie de compromisso de não subir os juros, que já havia sido relativizado na reunião de dezembro. Preocupam os números mais salgados de inflação corrente, preço das commodities em alta, dólar pressionado e a falta de clareza do cenário fiscal. Por outro lado, a expectativa de que a atividade volte a sofrer com a segunda onda impõe cautela sobre aumentos de juros. Por ora, esperamos que estes comecem em maio, com a Selic chegando em 4% no final do ano. Ainda acreditamos que a normalização dos juros deva ajudar na apreciação do real, desde que os riscos fiscais sigam controlados. Fazendo a estória curta um pouco mais longa:
A inflação não tem dado trégua…. Os dados de inflação ao consumidor nos últimos meses tem surpreendido para cima, indicando um grau mais forte e persistente de repasse dos diversos choques vistos no atacado desde o início da pandemia. O IPCA de dezembro veio em 1.35%, bem acima do consenso dos economistas (1.22%). De fato, a surpresa não ficou restrita a poucos itens, indicando aceleração generalizada dos preços. Vale lembrar que em agosto o consenso dos economistas esperava que o IPCA de 2020 ficasse em apenas 1.6%. Com sucessivas surpresas, a inflação fechou o ano em 4.5%. Ao olharmos os números mais recentes com os devidos ajustes estatísticos (a chamada média dos núcleos com ajuste sazonal) vemos que a inflação ao consumidor tem rodado acima dos 5% ao ano nos últimos meses, número bem superior aos 3.75% que o BC tem como meta para 2021.
… as commodities só sobem… Perspectivas mais positivas para a demanda mundial este ano tem levado a uma alta generalizada nos preços internacionais das commodities, colocando mais pressão nas cadeias de custo aqui no Brasil. Desde os primeiros anúncios de vacina e do resultado das eleições americanas em novembro, o índice CRB de commodities já subiu 12% atingindo o maior nível desde 2014. Só este ano, os preços do petróleo e do minério de ferro em dólares avançaram 7%. Em que pese a existência de alguns gargalos de oferta no curto prazo, não há muitas dúvidas de que a retomada global alimentada por um volume sem precedentes de estímulos fiscais e monetários deve continuar sustentando os preços das commodities em patamares historicamente elevados este ano. Mais pressão na inflação.
Figura 2: Índice CRB spot de preços de commodities
… e o câmbio não ajuda. Diferentemente de ciclos passados, onde preços mais altos das commodities tendem a valorizar nossa taxa de câmbio, o real continua extremamente depreciado em relação a outras moedas emergentes e seus fundamentos. Não fosse os 22% de desvalorização do ano passado, o real é novamente este ano a moeda emergente com pior desempenho. Com a alta das commodities e a depreciação do câmbio, não por acaso já começamos a ver um repique da inflação no atacado. A prévia do IGP-M de janeiro divulgado na semana passada voltou a surpreender.
Figura 3: Valorização (%) de moedas emergentes em 2021
A atividade econômica tem ido bem… Os dados mais recentes de atividade continuaram positivos e indicando recuperação relativamente generalizada nos últimos meses do ano. Dos números de novembro, o destaque ficou com o setor de serviços, com avanço de 2.6% em relação a outubro. A alta certamente refletiu a melhora da pandemia naquele mês, quando os números de casos e mortes seguiam em queda consistente e os indicadores de mobilidade apontavam forte recuperação. Com este e outros indicadores na conta, nosso modelo de estimação do PIB em tempo real sugere uma alta de +3.0% no 4º trimestre em relação ao 3º tri, algo um pouco acima do que as projeções indicavam anteriormente.
Figura 4: Principais indicadores mensais de atividade no Brasil (índice sa)
…mas deve voltar a sofrer nos próximos meses. Nos próximos meses, por outro lado, devemos ver números bem mais fracos de atividade econômica, impactados principalmente pela recente piora na pandemia e consequente redução da mobilidade. Mesmo com alguma dose de otimismo quanto à vacinação, parece claro que a mesma não deve ter impacto significativo sobre a curva da doença pelo menos nos próximos dois meses. Até lá a epidemia seguirá sua própria dinâmica. Temos visto no último mês um aumento assombroso nos números da doença em várias partes do mundo. A hipótese mais aceita tem sido a de que o surgimento de novas cepas mais contagiosas do vírus tem acelerado a transmissão da doença mesmo em regiões que aparentemente haviam atingido algum grau de imunidade de rebanho na primeira onda. No Brasil, o número de novos óbitos voltou para os picos de julho, na casa das mil fatalidades por dia. Poderíamos piorar ainda mais? Difícil dizer, mas a experiência de outros países, ou mesmo da cidade de Manaus não parece ser muito animadora a este respeito. Hoje morrem quase 5 pessoas por milhão de habitantes por dia no Brasil. Na Europa morrem 7,5, nos EUA 9,3 e no México quase 10. Ou seja, se a dinâmica da doença no Brasil convergir para o que temos visto nestas regiões, poderíamos chegar na casa das 2mil mortes diárias.
Se os números da doença por aqui continuarem a piorar, parece uma questão de tempo para que a sobrecarga do sistema de saúde leve ao endurecimento das medidas de distanciamento social. Embora tais medidas tendam a ser menos restritivas do que foram na primeira onda, é de se esperar impacto significativo na economia nos próximos meses. Dizer quanto o PIB vai crescer/cair no 1º trimestre deste ano não passa de um chute neste momento, mas o nosso fica na casa de uma queda de 0,5% em relação ao 4º tri do ano passado. Com um início de ano mais fraco, nossa projeção de 4.2% para o PIB do ano provavelmente será revista pra baixo em breve.
E a política, sempre uma incógnita. O agravamento da pandemia tem aumentado a pressão sobre o governo, colocando naturalmente alguns pontos de interrogação no cenário fiscal. Neste caso, não seria propriamente a possibilidade de uma extensão limitada do auxílio emergencial que preocupa, mas o risco de um descontrole mais generalizado em um contexto de enfraquecimento político. Pautas bombas, populismo, paralisia das reformas. São estas as preocupações a pesar nos mercados nas últimas semanas. O aumento dos prêmios de risco tem se mostrado claro no comportamento da taxa de câmbio, da bolsa (a pior entre os emergentes este ano) e naturalmente na curva de juros. A última precifica amentos na Selic já na próxima reunião, com a taxa atingindo 5.5% no final do ano e 7% em meados de 2022. Esta trajetória contrasta com os 3.5% e 4.25% esperados pelos economistas de acordo com o relatório Focus. Ou seja, os preços de mercado embutem um risco considerável de que o BC tenha que subir fortemente os juros nos próximos meses em decorrência de um eventual descontrole das contas públicas.
Figura 6: Trajetória esperada para a Selic (%a.a) nos próximos meses: curva de mercado vs. expectativas do relatório Focus
Pra onde vão os juros? Se não fosse a segunda onda do covid e seu impacto ainda incerto sobre a atividade, estaríamos inclinados a dizer que a Selic subiria já em março. Por enquanto nosso palpite fica para maio. No curto prazo, no entanto, não parece haver muitas razões para otimismo com a inflação. O repique nos preços ao atacado deve continuar impondo repasses ao consumidor nos próximos meses. O agravamento da pandemia seguirá ensejando todo tipo de especulação que piore a percepção de risco fiscal. Por outro lado, não vemos espaço para uma subida tão forte nos juros. Esperamos que a Selic termine o ano em algo próximo de 4%. Os choques que puxaram a inflação nos últimos meses tem se mostrado mais fortes e persistentes, mas continuam de natureza essencialmente passageira. Mais importante, sairemos da pandemia com taxas de desemprego mais elevadas do que entramos, o que deve ajudar a conter a inflação de serviços. No câmbio, ainda enxergamos espaço para valorização expressiva se o cenário fiscal não piorar. Acreditamos que a Selic em níveis historicamente explique boa parte da forte desvalorização do real desde o início da pandemia. Uma normalização dos juros nos próximos meses deveria reduzir isto.
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