A Semana Macro (22/06) – Câmbio Danado!

0
4233

Em uma semana de melhora gradual da epidemia no mundo e indicadores econômicos positivos, o comportamento da taxa de câmbio voltou a chamar a atenção. Além da discussão sobre o nível do câmbio, cortes de juros poderiam ter seus efeitos sobre a volatilidade da moeda, ao deixá-la mais exposta às flutuações de apetite ao risco? Persistindo este padrão nas próximas semanas, a discussão sobre corte de juros poderia ganhar novos contornos. Vamos aos detalhes:

Covid-19: Segunda onda? Não exatamente

No plano internacional, o noticiário da pandemia tem se concentrado no aumento do número de casos nos EUA, gerando especulações sobre uma “segunda onda” da doença por lá. Os mercados também parecem ter sofrido um pouco na esteira destas preocupações. Neste sentido, valem algumas considerações sobre a distribuição geográfica do aumento da epidemia

Na verdade, o que esta acontecendo por lá nas últimas semanas é um aumento dos número de casos em regiões ainda muito pouco atingidas pela epidemia, e não uma segunda onda nas regiões antes mais afetadas. Em primeiro lugar vale examinarmos no gráfico abaixo a distribuição da taxa de infectados por milhão de habitantes nos 50 estados americanos um mês atrás. Fica clara a enorme dispersão regional até então.

Gráfico 1: Total de infectados por milhão de hab. nos EUA (em 20 de maio)

Fonte: Johns Hopkins University e Versa Asset

De maneira esquemática, podemos dividir estes estados em dois grupos, aqueles com taxa acima da média nacional e os abaixo da média. Chamemos o 1º grupo de estados “lideres” na epidemia e o segundo grupo de “retardatários”. Em termos demográficos, estes grupos representam aproximadamente 30% e 70% da população americana respectivamente. No gráfico abaixo, vemos a evolução do número de novos infectados em cada uma destas regiões. Passados mais de 1 mês desde o começo da reabertura, o número de novos casos nas regiões antes mais afetadas (“lideres”) continua em queda consistente, o que está longe de sugerir uma segunda onda da doença.

Gráfico 2: Novos casos diários de covid-19 por milhão de hab. nos EUA

Fonte: Johns Hopkins University e Versa Asset

Mais interessante, no entanto, é olhar a evolução das mortes nas duas regiões (gráfico 3). Notamos que mesmo nos estados “retardatários” a mortalidade continua em queda a despeito do aumento de novos casos. Uma possibilidade para isto é a de que a capacidade de testar a população está crescendo rapidamente e que, portanto, a subida nos casos não reflete exatamente a evolução real da doença neste momento. Outra explicação em algum grau seria a de que há uma “revolução silenciosa” em curso nos protocolos de tratamento da doença, reduzindo gradualmente a mortalidade sem que para isso precisemos ter nenhum remédio milagroso sendo anunciado.

Gráfico 3: Novas mortes diárias por covid-19 por milhão de hab. nos EUA

Fonte: Johns Hopkins University e Versa Asset

Por último, temos visto uma versão “atualizada” do argumento de imunidade de rebanho sendo levantada entre analistas e que, em nossa visão, parece fazer sentido. Lembrando, a imunidade de rebanho diz que o vírus precisaria infectar cerca de 60%-70% da população para que a epidemia desapareça. A ideia agora seria de que com medidas básicas de distanciamento (máscaras, conscientização, restrições a grandes eventos, etc) este liminar seria muito menor: algo entre 20% e 30% da população. Desta forma, enquanto algumas regiões já haveriam chegado lá (líderes), outras (retardatárias) ainda precisariam ver seu número de infectados crescer antes de atingir tal “imunidade”.

EUA: mais sinais positivos de recuperação

Os dados de atividade econômica dos EUA voltaram a surpreender, sugerindo uma recuperação mais rápida no curto prazo. Neste sentido, o destaque ficou com as vendas do varejo de maio que saltaram +17.7% M/M (ie. contra o mês anterior), muito acima do consenso dos economistas (+8.0%). Para atingir os níveis pré crise, as vendas ainda precisam crescer outros 9% nos próximos meses, o que deve acontecer de forma mais gradual. Também para maio, foram publicados os dados de produção industrial, desta vez um pouco mais fracos do que as expectativas: crescimento de +1.4% M/M ante consenso de +3.0%.

Gráfico 4: Vendas no Varejo e Indústria nos EUA (índice sa)

Fonte: Bloomberg e Versa Asset

Para junho, os dados de atividade também animaram. Neste caso foram as pesquisas de atividade industrial, que são os primeiros dados de atividade conhecidos para o mês. O índice Empire Manufacturing registrou -0.2 pontos no mês, algo bem “menos ruim” do que os economistas esperavam (-29.6). O Philadelphia Fed index, por sua vez, veio em +27.5, ante expectivas de -21.4. Boas notícias.

Atividade no Brasil: um piso em abril?

Enquanto os dados brasileiros de atividade em abril vieram naturalmente muito ruins, os sinais mais preliminares para maio e junho animaram um pouco, sugerindo que o piso da contração econômica parece ter ficado para trás. Em abril, as vendas do varejo restrito vieram em -16.5% M/M, pior do que o consenso dos economistas (-12%), enquanto as do varejo ampliado marcaram -17.5%. O setor de serviços por sua vez registrou queda -11.7% M/M, não tão distantes das expectativas. Também para abril, o IBC-Br (índice de atividade do Banco Central), veio em -9.7% M/M.

Gráfico 5: Indicadores de atividade no Brasil (último dado: abril)

Fonte: IBGE, Banco Central e Versa Asset

De outro lado, as prévias das pesquisas de confiança da FGV para Junho animaram bastante, mostrando consistente recuperação em todos os setores (gráfico abaixo). A sondagem do comércio foi o destaque, certamente refletindo os anúncios de reabertura gradual das lojas na maior parte do país. Em geral, os dados da semana foram positivos, ao apontarem para alguma (leve) recuperação da atividade já em maio e junho. Com esses números na conta, a queda do PIB do 2º tri deve ficar mais próxima de 10% do que 15%, o que ajudaria um pouco as projeções do ano. Por ora, esperamos uma queda de -7.5% no PIB em 2020, com algum viés de alta.

Gráfico 6: Indicadores de confiança no Brasil (último dado: Junho)

Fonte: FGV e Versa Asset

Selic: Portas entreabertas para outro (pequeno) corte

A decisão do Comitê de Política Monetária (Copom) do BC de cortar a Selic em 0.75% para 2.25% ao ano já era amplamente esperada pelo mercado. As dúvidas na verdade estavam sobre seus próximos passos. Neste sentido o BC deu seu recado, de que um pequeno corte ainda possa vir. Nas palavras do Copom:

“Neste momento, o Comitê considera que a magnitude do estímulo monetário já implementado parece compatível com os impactos econômicos da pandemia da Covid-19. Para as próximas reuniões, o Comitê vê como apropriado avaliar os impactos da pandemia e do conjunto de medidas de incentivo ao crédito e recomposição de renda, e antevê que um eventual ajuste futuro no atual grau de estímulo monetário será residual. (nosso grifo)”

Ou seja, parece que se o cenário permitir teremos a Selic atingindo 1.75% ou 2.0%. A possibilidade deste corte e sua magnitude deve depender de como a economia reagirá até a próxima reunião em agosto, do comportamento da inflação, e também em nossa visão (embora não explicitado no comunicado) de como a taxa de câmbio se comportará até lá. Sobre o câmbio falamos mais a seguir.

Câmbio, seu danado!

A taxa de câmbio voltou a chamar a atenção na semana, com uma volatilidade bem maior do que a de outras moedas emergentes e a bolsa. De fato, boa parte da valorização recente do real foi “devolvida” nos últimos dias.

O gráfico abaixo mostra a taxa de câmbio em relação a uma cesta de moedas emergentes. Para facilitar a visualização, esta cesta está normalizada em relação ao valor médio do real em 2019. Fica claro o “re-descolamento” do real em relação ao padrão exibido por seus “pares” nos últimos dias.

Gráfico 7: real vs cesta* de moedas emergentes (normalizada 2019=BRL médio)

* RUB, MXN, COP, ZAR, TRY, CLP, HUF, IDR, PLN
Fonte: Bloomberg e Versa Asset

No mesmo sentido, o câmbio também se descolou do seu chamado “valor justo” como vemos no gráfico abaixo. Este é calculado com base em outras variáveis, tais como o CDS spread (ie. “risco Brasil”), o preço internacional das commodities, o valor global do dólar e a taxa de juros. (escrevemos mais sobre isso aqui).

Gráfico 8: taxa de câmbio R$/US$: modelo vs. realizado (médias semanais)

Fonte: Versa Asset

O que poderia explicar este descolamento, que voltou a se intensificar mas não vem de hoje? Umas das hipóteses seria a de que os cortes de juros estariam afetando sobremaneira a taxa de câmbio ao reduzir a atratividade dos rendimentos em renda fixa do país em relação ao perfil de risco brasileiro. Ou seja, os cortes teriam ido longe demais. Outra hipótese seria destacar os efeitos da incerteza política no câmbio. Em ambas as possibilidades, o câmbio estaria fazendo o que os economistas chamam de overshooting: um movimento desproporcional em um primeiro momento que tende a se reverter (pelo menos em parte) conforme a economia encontra um novo equilíbrio. Neste caso, o reequilíbrio se daria nas contas externas brasileiras (balança comercial e saldo em conta corrente), que por sinal já vem mostrando melhora.

Dito isto, a desvalorização do real esta semana chamou atenção especial. De fato, a percepção geral de risco melhorou (tanto que a a bolsa voltou a subir) e a decisão do Copom quanto ao juros e seus próximos passos foram bem em linha com o que o mercado já antecipava. Ou seja, o câmbio está começando a se destacar não somente por seu nível, mas também por sua alta (e crescente) volatilidade.

Podemos ver este fenômeno ao comparar a volatilidade mediana de uma cesta de moedas emergentes com a do real no gráfico abaixo. Até o final de abril, a volatilidade do real não era muito diferente da dos seus “pares”, para então começar a exibir um padrão distinto. Enquanto o amainamento da crise mundial tem reduzido gradualmente a volatilidade de outras moedas, a do real continua crescendo. Talvez este também seja um dos efeitos colaterais dos juros baixos, ao aumentar a sensibilidade da moeda a flutuações no apetite ao risco. Persistindo este padrão nas próximas semanas, a discussão sobre corte de juros pode ganhar novos contornos, com um enfoque crescente em seus possíveis efeitos sobre a volatilidade do câmbio. Vamos ver.

Gráfico 9: Volatilidade da taxa de câmbio (EWMA a.a%)

Fonte: Bloomberg e Versa Asset