Em meio à definição eleitoral nos EUA e anúncios de vacinas, o ambiente global segue melhorando. Por aqui, os dados de atividade continuam animando e o PIB este ano deve cair muito menos do que se imaginava. No entanto, a recuperação tem sido muito desigual entre setores. Pensando sobre suas repercussões, continuamos otimistas com 2021.
Vacina, Biden e a 2ª onda
O apetite global ao risco seguiu melhorando na esteira de anúncios de vacinas e do fim das incertezas eleitorais nos EUA colocando de lado as preocupações com a segunda onda da pandemia no hemisfério norte. Sobre a vacina desenvolvida pela Pfizer, o que mais surpreendeu os mercados foi sua eficácia de 90%, algo muito além do que as vacinas de gripe comum costumam atingir (40-50%). Em que pese ser uma das vacinas em desenvolvimento de maior complexidade de produção e distribuição — o que impõe limites à vacinação em massa no curto prazo — a notícia pelo menos afastou o risco de que doença seja um problema por tempo indeterminado.
Sobre as eleições nos EUA, comentar seu impacto nos mercados ex-post parece mais fácil do que tê-lo previsto. Embora a vitória do candidato Biden já fosse tida como mais provável, pouca gente acreditava que a mesma ensejaria uma alta expressiva das bolsas. A história contada hoje é de que a moderação e previsibilidade do próximo governo mais do que compensou as preocupações com aumentos de impostos ou excesso de gastos. A mais simples é de que os mercados simplesmente não gostam de incertezas: pelo menos a da eleição já passou. Afinal, até que não estávamos tão errados quando não sabíamos por quem torcer.
A segunda onda no hemisfério norte por sua vez deu alguns sinais de melhora. Na Europa o número de novos casos, e até mesmo o de internações, parece ter começado a ceder nos últimos dias. Seria uma questão de tempo para ver a mesma tendência na curva de óbitos. Nos EUA, no entanto, o número de novos casos não tem dado sinais de desaceleração, muito embora a curva de óbitos esteja relativamente mais controlada do que na Europa.
Com o aprendizado da primeira onda, as medidas de isolamento devem ter impacto econômico mais moderado. Os dados até agora tem indicado redução bem mais branda da mobilidade nos países afetados. Some a isso a continuada disposição dos governos em prover suporte fiscal, e as bolsas europeias tem se mantido próximas das máximas desde o início da pandemia.
Gráfico 3: Índice de mobilidade social (% em relação a janeiro)
O vai e vem do câmbio
A taxa de câmbio também reagiu a melhora do ambiente global, indo dos quase 5.80 de duas semanas atrás para 5.25 na euforia de segunda-feira e fechando a semana nos 5.47. Nossa visão de que o real ainda tem muito para apreciar nos próximos meses segue inalterada. Com o pior da crise para trás, vemos uma melhora gradual de vários vetores que deveriam ensejar um câmbio mais apreciado. O dólar segue em queda pelo mundo, os preços internacionais das commodities estão em alta, o risco-país medido pelo CDS spread segue controlado e caminhamos para zerar o déficit em conta corrente este ano.
Levando estes fatores em consideração, nossos modelos sugerem um câmbio “justo” na casa dos R$4.35/US$. Acreditamos que a definição do cenário fiscal de médio prazo com a manutenção do teto de gastos e aprovação do orçamento até o início do ano deve aliviar boa parte deste descolamento.
Gráfico 4: Taxa de câmbio nominal vs. modelo (médias semanais)
Recuperação em K?
Os dados de atividade econômica continuaram animando, impondo mais uma rodada de revisões nas projeções dos economistas para o PIB deste ano. O índice IBC-Br, uma espécie de prévia mensal do PIB divulgada pelo Banco Central, subiu +1.3% em setembro em relação a agosto, acima das estimativas. Para o 3º trimestre, o índice aponta crescimento de +9.5% em relação ao 2º tri. Com este e outros dados na conta, nossos modelos apontam para um crescimento do PIB do 3º tri ainda um pouco mais forte, em +9.9%, e algo como +1.8% no 4º tri.
Vale lembrar que o PIB caiu -2.5% no 1º trimestre e -9.7% no 2º, o que significa uma contração acumulada de -11.9% naquele período. Ou seja, terminaríamos 2020 com o PIB do último trimestre muito próximo dos níveis pré-crise, algo que parecia muito difícil de imaginar há alguns meses. Para o ano “cheio” (que é uma média de todos os trimestres do ano) enceraríamos com queda de -4.0% em relação a 2019. No auge da crise falava-se em -8%. Provavelmente o Brasil será um dos países emergentes com menor queda do PIB este ano. Nada mal.
Se por um lado a recuperação tem sido mais forte do que se esperava, por outro a mesma tem sido bastante desigual entre setores, como o gráfico acima pode mostrar. Enquanto as vendas no varejo e a produção industrial já estão respectivamente +1.3% e +3.8% acima dos níveis de janeiro, o setor de serviços amarga uma queda de -9.0% no mesmo período. Vale dizer, esta divergência tem ocorrido em todos os países. Os economistas inclusive deram um apelido pra isto: recuperação em “K”. Ao contrário da famosa recuperação em formato de “V” onde todos os setores se recuperam rapidamente, desta vez a velocidade da retomada seria muito divergente entre os mesmos.
De um lado nesta dinâmica estariam mudanças no comportamento do consumidor impostas pelo distanciamento social beneficiando alguns setores em detrimento de outros. Consumo de bens, reformas e construção civil ganhariam. Os perdedores naturalmente seriam os setores que envolvem mais contato social, a maioria ligado a serviços: turismo, entretenimento, restaurantes, etc. Difícil dizer se estas tendências serão integralmente revertidas quando o covid acabar. Quem se acostumou a gastar muito menos ao assistir um filme pelo Netflix, comprar pela internet, ou chamar os amigos para uma pizza em casa vai voltar completamente a vida antiga?
Do lado das empresas, mudanças também seriam aceleradas pela pandemia. A impressão ao ouvir análises de especialistas sobre os impactos do Covid no seus respectivos setores parece sempre chegar na mesma conclusão: a pandemia acelerou o passo de mudanças que já estavam em curso, sejam elas automação da produção, teletrabalho, o uso da internet para alavancar os negócios, ou aumento da competição entre empresas. Ou seja, no final das contas só colocamos o relógio para girar mais rápido.
Parece claro que todas estas mudanças desfavorecem atividades mais intensivas em mão de obra, em particular aquelas que exigem trabalho menos qualificado. Se há algum consenso entre os economistas é o de que sairemos desta crise com uma taxa de desemprego mais elevada do que entramos. Desde de que o mundo é mundo há preocupação com “o fim” dos empregos causados por mudanças tecnológicas ou estruturais na economia. Invariavelmente o mercado de trabalho surpreendeu ao criar empregos em outras áreas. Não deveria ser diferente desta vez, mas também não será do dia para noite.
O aumento do desemprego traria suas consequências. De um lado, poderíamos ver uma “ressaca” no consumo nos próximos meses, principalmente quando o auxílio emergencial acabar. Provavelmente crescerão as demandas por mais proteção social e o sistema político estará sensível a isto. É difícil saber o que vai sair deste caldeirão.
Por outro lado, a folga no mercado de trabalho deveria ajudar a segurar a inflação e manter os juros baixos por mais tempo. Em nossa visão, este seria o vetor mais importante para otimismo, tanto com o crescimento mas especialmente com a precificação dos ativos. De toda forma, esperamos que o PIB cresça +4.5% em 2021 impulsionado pela recuperação dos investimentos.
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