Com a inflação surpreendendo, atividade em alta e perspectivas de vacina, o BC começou a abandonar o discurso de que os juros ficarão baixos por muito tempo. Continuamos a esperar aumentos da Selic no 1º semestre, mas a valorização do real pode suavizar esta trajetória .
A reunião do Copom desta semana surpreendeu a nós e ao mercado. Não propriamente a decisão de manter a Selic em 2%, sobre a qual a expectativa era quase unânime entre os economistas, mas a comunicação sobre mantê-la neste patamar por um período prolongado de tempo, o tal forward guidance.
Na tradução literal o termo significa uma “orientação a termo” da politica monetária. Na tradução informal, podemos entendê-lo como uma comunicação mais assertiva e menos “em cima do muro” do BC sobre os seus passos futuros. Este tipo de postura ganhou popularidade na última década nos bancos centrais de países desenvolvidos como uma forma de tentar influenciar as taxas de juros de prazo mais longo ,indo além do papel tradicional do BC de definir a taxa de curto prazo. Nesta crise do covid foi a vez dos bancos centrais de países emergentes começarem a fazer uso da estratégia, com destaque para o BC brasileiro. Por ser uma política que mira prazos mais longos, sua credibilidade depende naturalmente de que o banco central não mude de ideia o tempo todo. Daí veio a surpresa do mercado com o comunicado do Copom, que parece ter começado a abandonar (ou pelo menos, relativizar) o discurso de que os juros permanecerão baixos por período prolongado apenas quatro meses depois de tê-lo iniciado.
Embora tenha surpreendido, entendemos que a decisão foi correta. Como notado no comunicado, a inflação tem ficado acima do esperado nos últimos meses, colocando algum viés de alta nas projeções do próximo ano. De fato, os mercados também parecem ter olhado positivamente a decisão: no dia seguinte tanto o dólar como a ponta longa da curva de juros caíram. Acreditamos que um tom mais “duro” com os juros e eventual aumento da Selic nos próximos meses deve contribuir para a valorização do real, que continua sendo uma das moedas emergentes com pior performance este ano. De fato, esta valorização deve ajudar a segurar a inflação e por isto não deveríamos ver tanto espaço para altas de juros no próximo ano, mesmo em um contexto mais construtivo para o crescimento como imaginamos (esperamos PIB de +4.5% em 2021). De toda a forma, seguimos esperando que a Selic comece a subir já no 1º semestre, atingindo algo como 3.5% até o final do ano.
Figura 1: Valorização de moedas emergentes na semana (%)
Inflação: acima do esperado por conta dos alimentos
O IPCA de novembro voltou a surpreender os economistas, com alta de +0.89% ante expectativas de +0.78%. No acumulado em 12 meses, a inflação ficou em +4.3%, contra +3.8% no mês anterior. Em termos qualitativos a surpresa não foi tão “ruim assim”, pois ficou concentrada novamente em preços de alimentos no domicílio (+3.33% no mês e +21.4% em 12 meses!). Os núcleos de inflação, por sua vez, recuaram levemente para +0.44% ante +0.50% em outubro. Por ora, o cenário consensual (no qual concordamos em boa medida) é de que a maior parte das pressões que levaram a altas mais fortes do IPCA nos últimos meses deve se amainar ou até mesmo se reverter no próximo ano. Portanto, o grau de contaminação para a inflação em 2021 deveria ser baixo. De fato, acreditamos que o dólar tem ainda mais espaço para cair nos próximos meses, o que deve ajudar a reverter boa parte da alta de preços importados. Seguimos esperando IPCA de 3.5% no ano que vem.
Atividade: dados mais fortes em outubro, mas algum sinal de alerta com a “confiança”
Os números de atividade econômica do IBGE para outubro continuaram a surpreender positivamente. O destaque ficou com as vendas do varejo, exibindo alta de +0.9% ante consenso dos economistas de +0.1%. A alta foi relativamente generalizada e seu contexto também merece atenção. De fato, as vendas foram fortes mesmo depois da redução do auxílio emergencial de R$600 para R$300 para a maior parte dos beneficiários e ao considerarmos que os números mais salgados da inflação tenderiam a corroer o poder de compra do consumidor. Vale dizer, que seria natural esperar alguma queda do varejo nos próximos meses, visto que boa parte da alta se deve a um efeito “substituição” temporário da pandemia, onde as pessoas acabaram consumindo mais bens e menos serviços. Além disso, é de se esperar que a taxa de desemprego saia da pandemia mais elevada do que entrou, o que também deve comprometer o consumo.
Figura 2: Principais indicadores de atividade – índice mensal
Por outro lado, os dados prévios da sondagem de confiança da FGV pra dezembro colocaram algum sinal de alerta sobre a recuperação da atividade no curto prazo. Divulgados nesta manhã do dia 14, mostraram uma queda generalizada da confiança entre setores, com exceção da indústria, pelo segundo mês consecutivo. Boa parte desta queda está associada ao componente de “expectativas” da pesquisa, enquanto o componente de “situação atual” ficou aproximadamente constante. Talvez isto seja um reflexo do aumento recente da pandemia e endurecimento das medidas de isolamento governos locais. Também poderia refletir um impacto atrasado na economia pela redução do auxílio emergencial (iniciado em outubro) e o aumento recente da inflação (que corrói o poder de compra). Observemos por enquanto.
Figura 3: Prévias das sondagens de confiança da FGV (até dezembro)
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