A Semana Macro (13/07) – Recuperação em V ?

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Em meio a surpresas positivas na atividade e algum otimismo com a pandemia mais a frente, seria natural falar em uma recuperação em formato de “V”. Feitas algumas considerações, há realmente razões para otimismo em nossa visão. Esperamos uma queda de “apenas” 4.9% no PIB este ano. No entanto, a recuperação não deveria ser tão parecida com as anteriores. Vamos aos detalhes:

Surpresas positivas na atividade

Depois da alta de 7% na produção industrial de maio, desta vez foram as vendas do varejo que surpreenderam os economistas. O indicador de maio saltou +13.9% em relação a abril, acima das estimativas de 6%. Para o varejo ampliado (que inclui veículos, auto-peças e material de construção), o salto foi ainda maior +19.6%. De fato, todas as categorias exibiram forte alta, com destaque para aquelas ligadas a bens duráveis.

Gráfico 1: Vendas do varejo no Brasil

Fonte: IBGE e Versa Asset

Naturalmente, a questão seria como explicar toda esta surpresa. Seria um efeito do auxílio emergencial, que já liberou R$ 76 bilhões na economia promovendo um choque positivo de renda, principalmente nas famílias de baixa renda? Aparentemente não. No gráfico abaixo, cruzamos o crescimento do varejo no mês com o PIB per capita de cada estado brasileiro. Se a hipótese do choque de renda fosse verdadeira, deveríamos ver maiores taxas de crescimento nas vendas naqueles estados mais pobres, onde o auxílio faria mais diferença. O que se viu, na verdade, foi uma relação no outro sentido. Ou seja, a recuperação do varejo em maio parece estar ligada mais a “demanda represada” para quem tinha grana, do que propriamente a um “choque de renda” para quem não tinha. Daí podemos esperar que o efeito do choque apareça só nos números de junho e julho, animando ainda mais o setor de varejo.

Gráfico 2: PIB per capita dos estados vs. cresc. % do varejo em maio

*exclui Rondônia e DF
Fonte: Versa Asset

O setor de serviços por sua vez não empolgou em maio, ao recuar -0.9% M/M ante expectativas de crescimento de +5.7%. Olhando a quebra, o desempenho foi misto com alguns setores em queda enquanto outros mostraram recuperação tímida. De fato, visto que as restrições de isolamento social são mais problemáticas para o fornecimento de serviços, números mais fracos do que os do varejo e da industria deveriam fazer sentido por enquanto.

Gráfico 3: Resumo dos principais indicadores de atividade em maio

Fonte: IBGE e Versa Asset

E para junho, o que os indicadores preliminares tem apontado? Boas notícias. Sugerem crescimento ainda mais forte do que em maio. Por exemplo, o tráfego de veículos pesados em rodovias subiu 9.7% (8.7% em maio), a produção de papel ondulado avançou 9.6% (-6.7% em maio) , as vendas de veículos subiram 43% (21% em maio) e os números da confiança do empresário seguiram crescendo.

Sobre os números da confiança do empresário, vale notar que a recuperação tem variado de setor para setor, indo em linha com os indicadores que discutimos acima. Comércio e indústria seguiram se destacando, enquanto o setor de serviços mostrou recuperação um pouco mais tímida. Colocando todos estes indicadores na conta, estimamos que o PIB do 2º trimestre tenha caído “apenas” -9% relação ao 1º tri. Vale notar que nossa mesma estimativa no começo de junho era de queda de -14.6%. Ou seja, a atividade econômica nos surpreendeu bastante este mês. Voltaremos ao assunto mais adiante.

Gráfico 4: Sondagens setoriais da FGV – índice de situação atual

Fonte: FGV e Versa Asset

Algumas luzes na pandemia

Em meio ao repique da epidemia nos EUA e ao número persistentemente alto de mortes aqui no Brasil, alguns aspectos positivos sobre o tema tem chamado nossa atenção. De fato, três pontos nos ajudam a imaginar uma recuperação mais rápida do que se esperava: 1) o risco de ressurgência da doença parece baixo, 2) a letalidade segue caindo e 3) as pessoas tem voltado a vida “normal” também de forma relativamente rápida.

Sobre o primeiro ponto, as evidências dos países antes mais atingidos sugerem que o o risco de uma “segunda onda” da doença seja relativamente baixo, mesmo depois da reabertura da economia. Nos países da Europa Ocidental, ondem a epidemia evoluiu mais rapidamente em um primeiro momento, o número de casos e mortes segue em queda bastante consistente passados pelo menos dois meses do fim do confinamento (gráfico 5 abaixo). A exceção talvez seja Portugal com algum aumento dos casos no último mês, onde a primeira onda não foi tão forte. Mesmo assim, também tem mostrado alguma melhora nos últimos dias. Como base de comparação, no Brasil o número de mortes diárias por milhão de habitantes tem girado em torno de 5.

Gráfico 5: Número de novas mortes por milhão de hab. na Europa (mm7d)

Fonte:  Johns Hopkins University e Versa Asset

Vale notar que o aumento recente dos novos casos em alguns países, particularmente nos EUA, também não deveria ser considerado uma segunda onda no sentido estrito da palavra. Como escrevemos anteriormente (“Segundas Primeiras Ondas”), o repique dos casos por lá está concentrado essencialmente naquelas regiões “retardatárias”, onde não houve uma primeira onda de fato. A impressão é de que algum grau de imunidade de rebanho e o medo do vírus (na população e nos governantes) são, infelizmente, condições necessárias para que a epidemia desacelere nestas regiões.

Sobre o segundo aspecto para otimismo, temos visto uma queda consistente da taxa de letalidade (ie. probabilidade de óbito de quem for infectado). O próprio repique da doença nos EUA tem indicado isto (gráfico 6 abaixo). Enquanto o número de novos casos tem subido fortemente, o de mortes segue muito mais controlado. Certamente a ampliação dos testes nas regiões afetadas explica boa parte deste descasamento, mas não é só isto. Há várias hipóteses para explicar, entre elas a de que os protocolos de tratamento da doença tem melhorado gradualmente e de que a idade média dos infectados tem caído. A última que ouvimos seria de que o uso de máscaras não só reduziria a probabilidade de contágio mas também a gravidade da doença ao reduzir a carga viral média (quantidade de vírus) nos novos contágios.

Gráfico 6: Novos casos e mortes por milhão hab. nos EUA (mm7d)

Fonte:  Johns Hopkins University e Versa Asset

Por último, os dados não tem suportado a ideia de um medo duradouro na população até que uma solução definitiva (vacina) chegue. Nos países onde a mortalidade se reduziu consistentemente, a vida parece ter voltado ao “normal” mais rápido do que se imaginava. Com os dados fornecidos pelo Google, construímos um índice de mobilidade social que leva em conta variáveis como idas a lugares de lazer, compras, local de trabalho e tempo médio em casa. Para a maioria dos países europeus (gráfico 7 abaixo), a mobilidade social já está muito próxima da normalidade. As exceções ficam com Portugal e Reino Unido, onde os números de mortes ainda estão um pouco acima da média da região. Por fim, os dados dão ainda mais força ao argumento de que uma segunda onda nestes países parece improvável.

Gráfico 7: Índice de mobilidade social em países da Europa

Fonte: Google e Versa Asset

O resumo da ópera. Estamos em uma recuperação em V?

Depende do que entendemos por V. Se estamos pensando apenas em uma recuperação relativamente mais rápida do que se esperava 1-2 meses atrás, a resposta é sim. Afinal os dados econômicos animam e o cenário a frente para a pandemia parece ser melhor. Se, no entanto, estamos imaginando uma retomada que segue o padrão clássico das crises anteriores, teríamos que inventar uma nova letra no alfabeto talvez. A atual crise não segue os padrões normais, onde a própria dinâmica econômica (ou política) gera as condições para a crise e logo encontra um novo equilíbrio para a sua saída. A crise veio “de fora”. Nem é muito parecida com guerras ou desastres naturais pois o estoque de capital físico dos países não foi destruído.

Se em crises anteriores, uma retomada do consumo de bens duráveis (como aparentemente é o caso agora) costumava sinalizar o fim da recessão, desta vez ainda há dúvidas sobre os impactos mais duradouros no setor de serviços por mais que tenhamos mostrado aqui certo otimismo com a volta a normalidade. Um palpite? A impressão ao ouvir análises de especialistas sobre os impactos do Covid no seus respectivos setores parece sempre chegar na mesma conclusão: a pandemia acelerou o passo de mudanças que já estavam em curso, sejam elas automação da produção, trabalho e estudo remoto, o uso da internet para alavancar os negócios, ou aumento da competição. Ou seja, no final das contas só colocamos o relógio para girar mais rápido. Neste ponto, não deveria ser tão ruim afinal. Podemos sair da crise com crescimento da produtividade e inflação ainda mais baixa (avanços tecnológicos reduzem a inflação). 6 anos em 6 meses?

Voltando ao planeta terra e à nossa discussão de PIB no curto prazo, estamos revisando o crescimento deste ano de -7.5% para -4.9%. Lembrando, o consenso do relatório Focus do BC na última segunda-feira estava em -6.5%. Para 2021, esperamos crescimento de +4%, contra +3.5% no Focus. Portanto, vemos espaço para revisões de alta no PIB nas próximas semanas e muito uso da letra “V” por aí até enjoar, mais do que ouvir gente dizendo sobre “o novo normal”. Como apontamos anteriormente, o varejo deve continuar chamando atenção na retomada no curto prazo, ajudado pelos recursos do auxílio emergencial e a demanda represada. O setor de serviços tenderia a andar mais devagar. Depois que o auxílio acabar, deveríamos ter alguma ressaca no consumo. Ai é torcer para que o investimento desponte com juros tão baixos.

Um risco? Sem dúvidas a incerteza política criar um desarranjo fiscal. A maior parte das medidas de estímulos implantadas na crise (desonerações, auxílios, transferências etc) vão precisar necessariamente serem revistas nos próximos meses. O perigo seria que Congresso, ou mesmo o governo em determinadas circunstâncias, se renda ao populismo econômico. Por enquanto acreditamos que o bom senso prevalecerá.

Cartas e artigos com um foguete na capa não costumam envelhecer muito bem. Esperamos que desta vez seja diferente!

Gráfico 8: Projeções de PIB trimestral (nível sa em relação ao 4º tri19 %)

Fonte: BC e Versa Asset


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