Em uma semana onde o ambiente global voltou a melhorar, a bolsa brasileira acabou desapontando. No âmbito externo, o esfriamento da tensão EUA-Irã foi preponderante, mas os dados de emprego americanos e declarações de membros do Fed também sugerem que os juros por lá não sobem tão cedo (o que é bom para os países emergentes como o Brasil). Internamente, os números fracos de atividade e “fortes” de inflação não ajudaram. Se por um lado o IPCA mais alto foi distorcido por pressões passageiras, a queda da produção industrial aponta um cenário de recuperação mais lenta no curto prazo.
Mundo: Tensões diminuem e mercado de trabalho morno nos EUA
Um desfecho positivo para a crise no Oriente Médio… Para iraniano ver. Assim ficou parecendo o ataque retaliatório, sem vítimas, às bases americanas no Iraque. Nesse sentido, o discurso do presidente Trump e as declarações das autoridades iranianas após o ocorrido não poderiam ter sido mais conciliadores. A maioria dos analistas políticos entendeu que a essa altura um conflito militar não interessaria nenhuma das partes. De um lado, seria eleitoralmente arriscado para Trump, que se elegeu da última vez criticando o intervencionismo militar dos governos anteriores. Do outro, uma ofensiva Iraniana mais séria, que obrigasse os EUA a reagir contundentemente, significaria o fim do atual governo. No final, os EUA prometeram mais sanções econômicas ao Irã, que agora está ocupado em explicar o acidente com o Boeing 737.
… e os mercados reagiram bem. Ao longo da semana, a maioria das bolsas mundiais se recuperou do tropeço recente. Este foi o caso do S&P500 até quinta-feira , das bolsas europeias, japonesa e mesmo de boa parte dos mercados emergentes. O preço do petróleo tipo Brent, que chegou a superar os US$70 por barril logo após o ataque do domingo, encerrou a semana próximo de US$65.
A criação de empregos nos EUA veio um pouco abaixo do esperado, mas ainda segue forte. Foram gerados 145 mil empregos em dezembro, número abaixo das expectativas (160 mil) e também abaixo da média dos últimos 12 meses (180mil). Mesmo assim, a taxa de desemprego permaneceu em apenas 3.5%, um recorde histórico. De fato, é natural esperar que o ritmo de criação de empregos se desacelere conforme a economia atinja o pleno emprego. A pujança do mercado de trabalho nos últimos anos é tal, que o número de vagas em aberto não preenchidas é maior do que o de pessoas desempregadas (gráfico abaixo). Ou seja, afirmar que os números mais baixos de criação de empregos na sexta-feira foram ruins merece certa ponderação.
Gráfico 1: Taxa de desemprego e vagas em aberto nos EUA
Por outro lado, os salários continuam desacelerando e a inflação não preocupa. A mesma pesquisa mostrou que o crescimento do salário médio perdeu força, caindo para +2.9% (YoY), contra +3.1% em novembro e +3.3% em 2018. Ou seja, a taxa de desemprego historicamente baixa não tem pressionado os salários e elevado a inflação. Este fenômeno tem sido um quebra-cabeças para os economistas. Três anos atrás, quando a taxa de desemprego era “apenas” 5%, os economistas do Fed acreditavam que qualquer nível abaixo disso poderia gerar uma escalada dos preços. De lá para cá o desemprego só caiu, e nada dos salários e a inflação subirem.
Gráfico 2: Crescimento nominal dos salários nos EUA (YoY%)
Estes números e as declarações recentes de diretores do Fed sugerem que não teremos aumento de juros tão cedo. De fato, as falas de alguns membros do comitê de política monetária (FOMC) confirmaram o entendimento de que o Fed se sente confortável com a atual trajetória dos indicadores econômicos e, portanto, precisaria ver mudança muito clara na evolução destes para que cortes ou aumentos de juros este ano se justifiquem. Portanto, o cenário segue positivo para as economias emergentes, inclusive o Brasil, no sentido que provavelmente não teremos surpresas por parte do Fed em 2020. Se algo nos preocupa por lá são as eleições, que prometem ser as mais “quentes” da história americana.
Gráfico 3: Estimativa em tempo real p/ o PIB do 4º tri (anualizado) EUA
Brasil: Atividade decepciona e alimentos ainda pressionam a inflação
Os dados fracos da produção industrial não animaram … Em novembro, a produção industrial caiu 1.2% mês contra mês (MoM), decepcionado o mercado, que esperava contração de apenas 0.7%. Vale notar que boa parte da queda pode ser atribuída a retração de 4.4% no setor automotivo, largamente afetado pela crise na Argentina. No entanto, a fraqueza foi generalizada, e todas as grandes categorias recuaram no mês (gráfico abaixo). A produção industrial de dezembro, ao que tudo indica, também não deve empolgar pois a produção de veículos continuou em marcha lenta.
Gráfico 4: Produção industrial mensal no Brasil (número índice)
… e puxaram pra baixo as estimativas de PIB no curto prazo. Ao incorporar a produção industrial de novembro e os dados de tráfego de veículos pesados de dezembro, nossa estimativa em tempo real para o PIB do 4º tri recuou novamente, para 0.57% (gráfico abaixo). A projeção teve seu pico antes da virada do ano, com o forte resultado do Caged, mas começou a sofrer após os dados mais fracos de comércio exterior.
Gráfico 5: Estimativa em tempo real para o PIB 4º tri (QoQ) do Brasil
No entanto, seguimos otimistas com a recuperação no médio prazo. Por mais que os indicadores de atividade tenham ficado um pouco aquém nos últimas dias, o panorama para 2020 continua promissor em nossa visão. Independentemente da análise mais subjetiva de política que o investidor possa ter, as condições econômicas mais concretas continuam favorecendo uma recuperação consistente do crescimento. São elas: 1)juros baixos e inflação controlada, 2)muita capacidade ociosa na economia para ser preenchida (ou seja, desemprego ainda alto) e 3) alinhamento dos poderes executivo e legislativo em uma agenda de reformas econômicas liberais (detalhes e timming pra aprovação, já são mais complicados).
Na inflação, o IPCA seguiu em alta com o choque de alimentos… A inflação de dezembro registrou 1.15% MoM, valor um pouco acima do esperado pelo mercado (1.08%). No acumulado do ano, o IPCA terminou 2020 em 4.3%. Vale notar que apenas 2 meses atrás, o consenso entre economistas era de que a inflação fechasse o ano em torno de 3.3%. O preço das carnes foi o vilão, saltando 32% devido ao surto de gripe suína na China. De fato, tal choque acabou contaminando outros grupos para além da alimentação. Por exemplo, sofreram a inflação de serviços (gráfico 7), afetada pelo preço dos restaurantes, e também as medidas de “núcleo” (que tentam expurgar choques temporários). A boa notícia é que cedo ou tarde o preço da carne vai cair, e a alta do IPCA em 2019 deve ser “devolvida” em 2020.
Gráfico 6: Inflação de carne e alimentos acumulada em 12 meses
Gráficos 7 e 8: Inflação de serviços subjacentes e núcleos (MoM%) – padrão histórico
… mas ainda não atrapalha o cenário de juros baixos. A alta recente da inflação está longe de preocupar a ponto de que o Banco Central volte a subir os juros nos próximos meses. Na “pior” das hipóteses, o risco é de que o preço da carne não reverta e a atividade mostre mais vigor, o que levaria o Bacen a interromper seu ciclo de cortes nos atuais 4.50%, deixando de lado o chorinho de 4.25% ou 4.0% . Afinal, juros de 4.5% já nos parecem suficientemente baixos para promover mudanças significativas na economia este ano. O que vier além, é lucro!
O que devemos ficar de olho nessa semana?
Lá fora as atenções ficaram voltadas à assinatura do acordo comercial entre EUA e China. Para isso, uma delegação chinesa estará em Washington entre segunda e quarta-feira. Nos indicadores econômicos, a China divulgará na quinta-feira seus dados do PIB do 4º tri, vendas do varejo e produção industrial.
Segure a empolgação com os dados de atividade econômica no Brasil. Os números de volume de serviços de novembro serão publicados na terça-feira e os do varejo na quarta-feira. Os do varejo prometem ser bem fortes por causa da Black Friday. O problema é que como a data promocional é relativamente nova nos hábitos do brasileiro, os modelos estatísticos não conseguem ajustar esse efeito corretamente nos dados (ao contrário do Natal). Por exemplo, em novembro de 2018 as vendas do varejo saltaram 3.4%, muito além do previsto, mas depois recuaram 2.6% em dezembro. A julgar pelos relatos positivos de varejistas na imprensa, esse ano não deve ser muito diferente.