Nem o ambiente global, nem os indicadores internos ajudaram na semana. Lá fora, o Coronavirus continuou a pesar e os números de atividade mostraram sinais trocados. De fato, enquanto a economia americana seguiu mostrando força, a indústria na Europa surpreendeu negativamente. No Brasil, as projeções de PIB começaram a sofrer, seja com os números mais fracos de atividade, seja com o impacto (incerto) do Coronavírus na economia mundial. Para os juros, terminamos a semana não muito distantes de onde começamos, com alguma possibilidade de novos cortes na Selic na conta dos economistas. Ou seja, se por um lado o Copom foi claro ao afirmar que pretende interromper o ciclo de cortes, por outro, a atividade mais minguada e a inflação em baixa logo reacenderam tais especulações.
Mundo: Coronavírus e sinais trocados na atividade
O Coronavírus seguiu no foco das atenções. A boa notícia ficou com a relativa estabilização no números (oficiais) de novos casos da doença na província de Hubei, sugerindo que as medidas restritivas do governo estariam surtindo efeito por lá. No entanto, há ainda sérias dúvidas quanto a real extensão do problema e o potencial de contaminação em outras regiões da China e do mundo. De toda forma, parece haver consenso entre os especialistas de que o pico da epidemia em nível nacional não deva ocorrer antes de março. Ou seja, o impacto na atividade econômica tende a ser significativo.
A economia dos EUA seguiu forte, com as pesquisas de atividade e os números do mercado de trabalho surpreendendo os economistas. As pesquisas do ISM/PMI de janeiro continuaram a avançar, tanto no setor manufatureiro, quanto no de serviços. Os números de emprego de janeiro, por sua vez, apontaram criação líquida de 225 mil postos (ante expectativas de 165 mil). Com esses dados na conta, nossa projeção em tempo real para o PIB americano no 1º tri sugere ritmo de expansão semelhante ao padrão recente, ou seja, 2.0% em termos anualizados. Uma recessão por lá antes das eleições parece cada vez mais improvável.
Gráfico 1: Pesquisas de atividade (ISM) para os EUA
E a indústria na Europa voltou a cair. Os dados de produção industrial de dezembro para alguns países da região foram surpreendentemente negativos. Na Alemanha, principal polo industrial do continente, a queda foi de -3.5% em relação a novembro, ante expectativas de -0.5%. De fato, como não houve qualquer evento (greve, clima atípico etc.) ou indicador antecedente que sugerisse tamanha queda, o número foi visto com ressalvas pelos mercados (as bolsas sofreram, mas moderadamente). Os dados também conflitaram com as pesquisas de confiança da região, que seguem apontando alguma estabilização do setor. De qualquer forma, as chances de uma recessão na Alemanha no início deste ano parecem ter aumentado.
Gráfico 2: Produção industrial em países da Europa
Brasil: Atividade e inflação em baixa, mais cortes de juros?
A atividade econômica decepcionou novamente, indo na contramão dos números mais fortes de crédito e do mercado de trabalho da semana anterior. Na produção industrial de dezembro houve contração de -0.7% M/M, ante expectativa de -0.5%. Embora a diferença tenha sido pequena, a queda foi relativamente disseminada: 16 das 25 atividades industriais recuaram no mês. Entre as grandes categorias, os destaques negativos ficaram na produção de bens de capital (-8.8%), bens de consumo duráveis (-2.7%) e na produção de insumos da construção civil (-1.6%).
Gráfico 3: Produção industrial no Brasil (sa)
O setor de veículos também não animou, e mostrou dados mais fracos tanto no consumo quanto na produção em janeiro. De fato, embora a produção de veículos tenha apontado leve alta na margem (gráfico abaixo), ainda ficou longe de recuperar o tombo de 15% nos dois meses anteriores. Neste ponto, boa parte da queda pode ser atribuída à crise na Argentina, principal mercado das exportações brasileiras de veículos. Nos últimos 2 anos, as vendas externas já acumulam contração de 50%.
Gráfico 4: Produção e vendas de veículos no Brasil (sa)
Números mais fracos, PIB mais fraco. Incorporando esses dados e outras variáveis (câmbio, commodities e comércio exterior), nossa estimativa em tempo real para o crescimento do PIB do 1º tri recuou para “0.35%” QoQ ante “0.59%” na semana anterior. Para o 4º tri de 2019, seguimos com 0.6%. Vale notar que durante a semana algumas instituições cortaram suas previsões de crescimento para 2020, seja pelos dados mais fracos, seja pelo impacto esperado do Coronavírus. A julgar por tais movimentos, é provável que o consenso do relatório Focus migre para algo próximo de 2% nas próximas semanas (vs. 2.3% atualmente).
Gráfico 5: Projeção em tempo real para o PIB 1° tri 2020 (QoQ)
Inflação segue em baixa. O IPCA de janeiro registrou inflação de 0.21%, abaixo dos 0.35% esperados pelo mercado. De fato, foi o menor valor registrado para um mês de janeiro nas últimas décadas. Parte da surpresa veio da queda mais forte dos preços da carne, mas não foi só isso: itens de serviços e bens de consumo não-duráveis também contribuíram. Por fim, as medidas de núcleo (métricas que tentam reduzir a importância de fatores passageiros) voltaram a ceder. Ou seja, não serão apenas as projeções de PIB que devem cair nos próximos dias.
Gráfico 6: Média dos núcleos de inflação (M/M) e padrão histórico
Mais cortes na Selic? Para os juros, terminamos a semana não muito distantes de onde começamos: com alguma possibilidade de novos cortes na Selic na conta dos economistas. Por um lado, o Banco Central parece ter deixado clara sua intenção de interromper o ciclo de cortes. Nas palavras do Copom:
“Considerando os efeitos defasados do ciclo de afrouxamento iniciado em julho de 2019, o Comitê vê como adequada a interrupção do processo de flexibilização monetária. O Comitê enfatiza que seus próximos passos continuarão dependendo da evolução da atividade econômica, do balanço de riscos e das projeções e expectativas de inflação, com peso crescente para o ano-calendário de 2021.”
No entanto, os indicadores de inflação e atividade na semana (bem como os temores de uma desaceleração mundial) foram na contramão, ao sugerir mais espaço para afrouxamento dos juros. Por ora, não acreditamos em novos cortes, mas a discussão tem sua significância. De fato, em um cenário de crescimento mais baixo e incertezas quanto ao fim do ciclo de cortes, o Real deveria sofrer em relação ao Dólar (como foi o caso nos últimos dias). No médio prazo, no entanto, ainda enxergamos espaço para valorização do Real na medida que a atividade econômica continue a ganhar tração.
No que devemos ficar de olho durante a semana?
Lá fora, primárias nos EUA e atividade na Europa. Na terça-feira, o estado americano de New Hampshire realizará suas primárias para seleção do candidato democrata para as eleições presidenciais. Na Europa, os dados consolidados de produção industrial de dezembro serão divulgados na quarta-feira, e o PIB do 4º tri será conhecido na sexta-feira. Como notamos, os números devem vir bem fracos.
No Brasil, ata do Copom, varejo e serviços no radar. Na terça feira-feira, a ata da última reunião do Copom será publicada. Para a atividade econômica, teremos os números do IBGE do varejo (quarta-feira) e serviços (quinta-feira), ambos de dezembro. Para o varejo, os números devem vir fracos devido a alta da inflação no mês.