A Semana Macro (08/06) – Que Tiro Foi Esse?

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Na surpreendente recuperação dos mercados durante a semana, certamente alguns fatores ajudaram. De um lado, a epidemia segue em queda nos EUA e na Europa sem muitos sinais de que uma “segunda onda” ocorra por lá. De outro, indicadores de atividade econômica surpreenderam para cima. No entanto, vale não perder de vista o panorama mais amplo, onde há um volume sem precedentes de estímulos sendo injetado nas economias, com seus efeitos nos preços de ativos. Noticias “boas” se tornam “excelentes” neste contexto.  Vamos aos detalhes:

Covid: A segunda onda é uma marolinha?

Provavelmente a notícia mais positiva para os mercados nas últimas semanas tem vindo da evolução, ou melhor, a não-evolução da epidemia nos países antes mais afetados. Passado mais de um mês do início da reabertura gradual na maior parte da Europa, o número de casos por lá continua em trajetória de queda na maioria dos países (exceto Portugal). A impressão é de que, feita a reabertura com número suficientemente baixo de casos e tomados os cuidados necessários, o risco da temida “segunda onda” da doença poderia ser mais baixo do que se imaginava.

Gráfico 1: Cresc. nº de novos casos na Europa (semana vs. semana anterior)

Fonte: ourworldindata.org e Versa Asset

No Brasil, a epidemia segue sem muita tendência. Embora o número de novas mortes tenha se estabilizado na casa de 1,000 por dia (ou seja, cerca de 5 por milhão de habitante), as trajetórias e os níveis absolutos nos estados tem variado muito. O número de mortes diárias por milhão de habitante vão de 15 no Ceará e 12 no Rio até apenas 0.6 no Paraná. Dito isto, seria de se esperar processos de reabertura igualmente heterogêneos nos próximos meses.

Gráfico 2: Nº de mortes diárias por milhão de hab. no Brasil (mm7d; t0=0.1)

Fonte: Ministério da Saúde e Versa Asset

EUA: Surpresa positiva no mercado de trabalho

Nos indicadores econômicos, o destaque lá fora ficou sem dúvida com os números surpreendentemente “fortes” do mercado de trabalho americano em maio, sugerindo que a retomada após a reabertura da economia pode ser mais rápida do que se esperava. Enquanto os economistas esperavam uma destruição líquida de cerca de 7 milhões de empregos, os dados na verdade apontaram criação líquida de 2.5 milhões! No mesmo sentido, a taxa de desemprego caiu de 14.7% para 13.3%. Ainda que faltem outras 20 milhões de vagas para recuperar os níveis pré-crise sob um ritmo de recuperação também incerto, o número certamente animou.

Gráfico 3: Estoque de empregos (nonfarm payrolls) nos EUA (milhões)

Fonte: USBLS e Versa Asset

Atividade: Produção industrial cai menos do que o esperado

No Brasil, a surpresa positiva com a atividade ficou por conta da produção industrial de abril, que caiu “apenas” -18.8% M/M (ie. ante o mês anterior), quando os economistas esperavam algo como -28%. Os números variaram muito entre setores. Enquanto a produção de bens de consumo duráveis desabou -79.6% puxada pela produção de automóveis, a industria extrativa (por ex., mineração) ficou estável no mês.

Tabela e gráfico 4: Produção industrial no Brasil

Fonte: IBGE e Versa Asset

O que esta queda menos intensa significa olhando para a frente? Por enquanto, pouca coisa. No máximo que o risco de termos um PIB muito negativo (além de -15%) no 2o trimestre tenha diminuído. De fato, com números tão voláteis e sujeitos a distorções ainda há muito ruído e pouco sinal nos dados econômicos nestes primeiros meses. As principais dúvidas neste momento sobre atividade estão, na verdade, sobre o timing de reabertura da economia e sobre a velocidade de retomada na segunda metade do ano. Que fique certo, o número foi bom, mas merece estas considerações.

E os mercados? Ah, os mercados…

Na esteira dos números cadentes da epidemia no mundo e de alguns indicadores econômicos mais positivos, não seria de se estranhar a alta dos mercados. O que chamou a atenção, no entanto, foi a velocidade do movimento, em particular nesta semana. Embora o Brasil tenha se destacado, a recuperação foi generalizada no mundo. A começar pelos países desenvolvidos, o gráfico abaixo mostra a subida de todas as bolsas, em particular na Europa.

Gráfico 5: Bolsas de países desenvolvidos, variação % na semana

Fonte: Bloomberg e Versa Asset

De fato, a recuperação das bolsas destes países não vem de hoje e muitas delas já estão próximas de zerar suas perdas no ano. No acumulado desde janeiro o S&P500 (EUA) está em -1.1%, mas o Nikkei (Japão) está em -3.6% e Eurostoxx (Europa) em -9.6%, ainda assim bem acima da maioria das bolsas emergentes. Ou seja, a ênfase na recuperação dos preços dos ativos nos EUA, com suas empresas de tecnologia e economia mais dinâmica, deve ser posta em certa perspectiva (recuperação geral dos mercados desenvolvidos).

Gráfico 6: Bolsas no mundo (moeda local, 31/12/2019 =100)

Fonte: Bloomberg e Versa Asset

Voltando à semana e ao desempenho dos emergentes, o Brasil chamou a atenção. Embora a melhora tenha sido generalizada, tanto a da bolsa quanto a do câmbio por aqui foram acima da média. O Ibovespa em dólares saltou +15.8%.

Gráfico 7: Bolsas emergentes e câmbio na semana (variação %)

Fonte: Bloomberg e Versa Asset

O vai e vem do câmbio

Sobre o câmbio, a pergunta natural seria se finalmente chegamos a um nível de equilíbrio depois de tanta volatilidade nos últimos meses. Afinal, começou o ano perto de R$4,00/US$ , quase bateu os 6 em maio para agora ficar perto dos 5. Há algum valor “justo” nesta estória? Pra onde irá a partir daqui? Por ora, nossa impressão é de que há certo espaço para fortalecimento do real no médio prazo. Em resumo, o real ainda estaria um pouco desvalorizado em relação a seu padrão histórico de fundamentos e na comparação com outros emergentes.

A começar pelos “fundamentos”, o gráfico abaixo mostra a trajetória da taxa de câmbio (média semanal) ante o sugerido por um modelo estatístico. Explicamos isso anteriormente, mas o modelo relaciona o câmbio com variáveis historicamente corelacionadas com a taxa de câmbio, tais como preços de commodities, “risco-brasil” (o CDS) e o valor global do dólar perante todas as moedas do mundo. Como podemos ver, o câmbio realizado começou a se descolar do valor sugerido pelo modelo desde agosto do ano passado, aumentando a discrepância depois do covid. Esta diferença diminuiu nas últimas semanas mais ainda é historicamente alta.

Gráfico 8: Taxa de câmbio R$/US$ – modelo vs. realizado

Fonte: Versa Asset

Ao compararmos o real com outras moedas emergentes, o descolamento também salta aos olhos. O gráfico abaixo compara os índices de câmbio ajustado pela inflação do real brasileiro e de uma cesta de moedas de países emergentes. (a relação é invertida em relação a taxa de câmbio que estamos acostumados: pra cima significa moeda mais forte).

Gráfico 9: BRL e cesta de moedas emergentes (câmbio real; média 2006/2020 =100)

*RUB, MXN,COP,ZAR,CLP,TRY,HUF,IDR,PEN,PLN
Fonte: Versa Asset

O que poderia explicar este descolamento até agora? Duas hipóteses seriam o ruído político interno e os cortes da Selic, que diminuem a atratividade relativa do real perante outras moedas. Neste sentido, o câmbio teria feito o que os economistas chamam de overshooting: um movimento desproporcional em um primeiro momento que tende a se reverter (pelo menos em parte) conforme a economia encontra um novo equilíbrio. Neste caso, o reequilíbrio se daria nas contas externas brasileiras. A boa notícia é que os dados da balança comercial e da conta corrente tem surpreendido positivamente, o que aceleraria este rebalanceamento do mercado de câmbio.

Dinheiro, muito dinheiro

Se boas notícias tem feito preço nas últimas semanas, também vale não perder de vista o panorama mais amplo, que é de um volume sem precedentes de estímulos sendo injetado nas economias. Para ficar apenas na medida mais fácil, os bancos centrais dos EUA, zona do Euro e Japão juntos já injetaram cerca de 5 trilhões de dólares na economia mundial através de programas de compra de ativos e de liquidez, e esse número tende a crescer nos próximos meses. Isso sem contar outros trilhões em pacotes de estímulos fiscais nestes e outros países. Em tal contexto, seria natural que os mercados dessem o benefício da dúvida para as muitas questões ainda sem resposta sobre a epidemia e a recuperação nos próximos anos. Notícias “boas” viram “excelentes” e essa dinâmica deve continuar por algum tempo.

Gráfico 10: Expansão A/A dos balanços do Fed+BCE+BoJ (US$ trilhões)

Fonte: Fed, BCB, BoJ e Versa Asset

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