Mundo: O pior já passou?
Vimos nos últimos dias alguns sinais animadores em relação a epidemia no mundo. Na Europa, o número de mortes diárias vem caindo, ou pelo menos se estabilizando, na maioria das regiões. A tendência tem sido mais clara na Itália e Espanha, mas outros países, como França, Reino Unido e Alemanha seguem na mesma direção. Nos EUA, embora o número de mortes tenha caído levemente no domingo, ainda não é claro se essa já é a nova tendência. No entanto, a julgar pelas quedas recentes no número de novos infectados (mesmo com o crescimento acelerado na quantidade de testes) e hospitalizações, talvez vejamos melhoras consistentes nos números de mortes nos próximos dias.
Gráfico 1: Mortes diárias por Covid-19 e linhas de tendência
Na economia, os dados continuaram a impressionar, apontando para uma contração econômica sem precedentes. O mercado de trabalho americano voltou a ser o destaque. O número de pedidos de seguro desemprego na semana bateu novo recorde: 6.6 milhões depois dos 3.3 milhões da semana anterior. O gráfico abaixo não está errado! Estes 10 milhões de empregos perdidos representariam um aumento de quase 6% na taxa de desemprego (por razões metodológicas ainda não capturados na taxa de março) em apenas 15 dias. Há certo consenso entre os economistas que esta será a pior contração da economia global já vista. As dúvidas na verdade ficam sobre a velocidade de recuperação após o tombo.
Gráfico 2: Pedidos de seguro desemprego nos EUA (milhões por semana)
Brasil: Provocando os Deuses do Câmbio
A taxa de câmbio voltou assustar os investidores, com o dólar saltando de R$5.10/US$ para 5.35 na semana. De fato, o real já acumula uma desvalorização de 25% no ano, só perdendo (por pouco) para o rand sul-africano. Como podemos ver no gráfico abaixo, embora o real se destaque, praticamente todas as moedas se desvalorizaram em relação ao dólar ao longo do ano, e esta semana não foi diferente.
Gráfico 3: Depreciação (%) das moedas em relação ao US$ (acum. ano)
O que explicaria um dólar mais forte ante quase todas as moedas? Afinal, os EUA também estão sofrendo na crise, e expandindo seus gastos e sua emissão de moeda como nunca na história… A razão é que o dólar tem a função, como os economistas chamam, de moeda de reserva mundial. Isso significa duas coisas: 1) que os bancos centrais de outros países costumam acumular dólares como reservas de segurança, e 2) que a maior parte da dívida que países e empresas emitem em moedas que não a suas são em dólares. Por exemplo, quando a Petrobras quer emitir dívida fora do Brasil, normalmente emitirá em dólares. Quando há uma crise muito aguda como a atual, esses países e empresas tentam comprar dólares o mais rápido possível para garantir que vão conseguir honrar suas dívidas (em dólares) no futuro. A lei da oferta e da procura faz seu trabalho e a cotação do dólar sobe mesmo com os EUA emitindo moeda. Pra piorar, países exportadores de commodities sofrem ainda mais. Como os preços das commodities estão caindo, a receita das exportações também cai, gerando ainda mais escassez de dólares e pressão em suas taxas de câmbio.
E no Brasil? Só esses fatores explicariam termos uma das moedas com pior desempenho nessa crise? O gráfico abaixo mostra o comportamento da taxa de câmbio nos últimos 32 anos. Para fazer comparações em janelas longas como essa, usamos a taxa de câmbio real. Está nada mais é do que a taxa de câmbio nominal ajustada pelo diferencial de inflação dos países. Na linha cinza temos essa conta com o dólar americano. Na linha verde, temos a taxa real efetiva, que leva em conta não só o dólar mas uma cesta de moedas ponderadas por sua importância no comércio exterior brasileiro. Ou seja, vemos que a taxa de câmbio brasileira está muito depreciada em qualquer ótica. Por que? Afinal, há países com economia mais dependentes das commodities que nós, além do fato de termos reservas cambiais relativamente abundantes…
Gráfico 4: Taxas de câmbio real (03/abril = 5.35)
Provavelmente os juros tenham sua parcela de culpa. A ideia é de que como a Selic nunca esteve tão baixa, haveria mudanças estruturais em curso na economia causando pressão no câmbio. Por exemplo, com os juros locais mais atrativos, empresas com dívida dolarizada estavam comprando dólares para quita-lá e transformar em dívida em reais. Sem falar nos investimentos em renda fixa saindo gradualmente do país pois, com os juros mais baixos, já não rendiam como antes. Até aí nada muito novo: este fenômeno já vinha sendo apontado por economistas há certo tempo para explicar a relativa “decepção” com o câmbio nos últimos meses. A crise colocou ainda mais pressão e acelerou esta dinâmica. Qual a extensão destes movimentos e qual seria o efeito no câmbio de cortes adicionais de juros? Infelizmente, não há muita certeza.
Dito isto, pensemos também no contrário. Até que ponto a trajetória do dólar influenciará as decisões do Bacen em cortar juros? Em sua última reunião, no dia 18 de março, o Copom havia deixado clara sua intensão em interromper os cortes dali em diante, mantendo a Selic em 3.75%. O argumento seria de que cortes adicionais poderiam ser contraproducentes ao estressar, ao invés de afrouxar, as condições financeiras. Por condições financeiras estressadas podemos entender duas coisas: taxas de juros longas mais altas e taxa de câmbio mais depreciada. Ou seja, o Bacen naquele momento mostrou cautela, entendendo que uma Selic mais baixa poderia fazer mais mal do que bem.
O que mudou nessas semanas que pudesse também mudar a cabeça do Bacen? Em nossa visão, nada. Na verdade, a taxa de câmbio saltou 35 centavos de lá pra cá. Enxergamos a live do presidente do Bacen no fim de semana como mais um indicativo nesta direção. Em nossa leitura, o presidente Roberto Campos Neto reafirmou seu entendimento de que cortes de juros não seriam o remédio mais adequado no atual contexto. Além disso, nos pareceu que o Bacen não pretende “defender” uma certa taxa de câmbio com venda de reservas tão cedo, preferindo guardar sua munição por enquanto. Como também dito em outra interessante live pelo sócio da SPX, Beny Parnes, “para que provocar os deuses do câmbio” neste contexto? Seguimos nessa linha, e céticos quanto a cortes de juros na próxima reunião.
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