Em uma semana com mais sinais de desaceleração da economia, o dólar voltou a subir e a inflação a cair. Com tudo isso na conta, seguimos céticos quanto a cortes agressivos da Selic este ano. Vamos aos detalhes:
Covid-19: sem sinais de melhora no Brasil por enquanto
Enquanto boa parte dos países tem mostrado queda/estabilização da doença nos últimos dias, a curva de mortes no Brasil seguiu em franca ascendência. Em média, foram registradas 400 mortes por dia na última semana, ante 260 na semana anterior. O gráfico abaixo mostra a evolução do número de novas mortes controlado pela população para os 25 países mais atingidos. De fato, vemos um padrão distinto entre o Brasil e os outros. Aqui, embora a epidemia (nº de mortos) pareça ter evoluído de forma relativamente mais lenta em um primeiro momento, esta não tem seguido a tendência de acomodação recente vista nos outros países.
Gráfico 1: Evolução nº novas mortes (mm7d) por 100 milhões de habitantes – escala log
Dito isto, não custa lembrar que o gráfico acima está em escala logarítmica e que o número de mortes no Brasil por habitante ainda é muito menor do que nos outros países:
Gráfico 2: Evolução nº novas mortes (mm7d) por 100 milhões de habitantes
Mundo: feel the hit
A semana foi marcada pelas primeiras divulgações do PIB do 1º tri em vários países. Nos EUA, a queda foi de -1.2% em relação ao trimestre anterior (QoQ), ou -4.8% em termos anualizados como eles preferem dizer. A zona do euro, por sua vez, registrou queda de -3.8% QoQ, com destaques negativos para a França (-5.8%), Espanha (-5.2%) e Itália (-4.7%). Na semana retrasada havia sido a vez da China, apontando uma queda sem precedentes de -9.8% QoQ.
Gráfico 3: Variação trimestral do PIB (QoQ) no 1º tri em países selecionados
Vale lembrar que epidemia e o lockdown atingiram os países em momentos distintos, e portanto o impacto nos números do PIB não são diretamente comparáveis. A China talvez seja o caso mais claro, pois as medidas mais drásticas já foram tomadas em meados de janeiro, refletindo assim um impacto quase “cheio” no 1º tri. Na outra ponta, os EUA implementaram medidas de distanciamento na maior parte do país somente na 2º quinzena de março. Em geral os economistas esperam, para a maioria dos países, um impacto “cheio” da epidemia de cerca de 10% a 15% no PIB, a ser capturado principalmente nos dados do 2º trimestre. Os números da semana não mudaram esta visão.
O vai e vem do câmbio
Os últimos dias foram marcados por uma nova onda de volatilidade nas taxas de câmbio, com o dólar batendo a casa dos 5.70. Mesmo os 5.49 de quinta-feira, representam uma desvalorização do real de 5.5% em abril, o que foge do comportamento de outras variáveis financeiras no mês, como o Ibovespa (+10.4%) e os contratos de juros longos (-10bps no DI2027). O real continua sendo a moeda emergente com pior performance no ano, em um dos níveis mais desvalorizados de sua história.
O gráfico abaixo mostra o comportamento da taxa de câmbio nos últimos 30 anos. Para fazer comparações em janelas longas como essa, usamos a taxa de câmbio real, ou seja, ajustada pelo diferencial de inflação dos países. Na linha cinza temos essa conta com o dólar americano. Na linha verde, temos a taxa real efetiva, que leva em conta uma cesta de moedas ponderadas por sua importância no comércio exterior brasileiro. Ou seja, vemos que a taxa de câmbio brasileira só esteve mais fraca no auge da crise de 2002.
Gráfico 4: Taxas de câmbio real (30/abril = 5.49)
Afinal, o que explicaria tamanha desvalorização nos últimos meses? Em primeiro lugar, valem algumas considerações sobre os determinantes da taxa de câmbio de um país. Podemos salientar 4 fatores que os economistas concordem. O primeiro deles é a atratividade “global” da outra moeda que estamos comparando, no caso, o dólar americano. Dito de outra forma, o quão forte ou fraco o dólar é percebido ao longo do tempo em relação a todas as moedas do mundo e não só o real? O segundo deles se refere a capacidade do país em gerar divisas (US$) através do seu comércio exterior. Como o Brasil é um grande exportador de commodities, quanto mais altos o preços destas, mais a moeda brasileira tende a se fortalecer, e o contrário também vale.
O terceiro fator se refere a percepção de risco sobre nossa dívida pública. O aumento desta percepção faz com que o investidor estrangeiro demande um prêmio maior para suportar esse risco através de uma moeda local mais “barata” (depreciada). Por último, a taxa de câmbio deveria responder também à atratividade de se manter investimentos de renda fixa de curto prazo em um país ou em outro. Nesse caso, quanto mais alta for a Selic em relação a taxa de juros americana, melhor para o real.
Dito isto, vale olharmos como cada uma dessas variáveis tem se comportado nos últimos meses e se, de fato, explicam a desvalorização do real. Comecemos com o dólar. O gráfico abaixo mostra o valor do dólar americano em relação a uma cesta de moedas ajustados pelo diferencial de inflação (REER). Vemos que desde o começo da da epidemia o dólar se valorizou 7% em relação a esta cesta, contra os 34% em relação ao real. Ou seja, uma parte relevante da depreciação do real, na verdade, se trata da valorização global do dólar em um ambiente de forte aversão a risco.
Gráfico 5: Taxa de câmbio real efetiva (REER) do dólar americano
No caso do preço das commodities, também vemos razões para que o real tenha se depreciado. Como mostrado abaixo, o índice CRB de preços de commodities se encontra no menor nível desde a crise de 2008.
Gráfico 6: Índice CRB de preços de commodities
Pelo lado do risco da dívida pública, as coisas também não estão tão boas assim. O CDS (credit default swap) de 5 anos mostra o prêmio demandado pelo mercado para “segurar” a dívida pública brasileira de 5 anos em dólares. Embora tenhamos estado muito pior neste quesito entre 2015 e 2016, o aumento percebido do risco foi claro nos últimos meses.
Gráfico 7: Credit default swap (CDS) de 5 anos do Brasil – bps
Por último, o diferencial de juros de curto prazo não mudou muito este ano, visto que tanto o Bacen quanto o Fed cortaram suas taxas básicas desde que a crise começou. Mesmo assim, continua nos patamares mais baixos da história:
Gráfico 8: Diferencial de juros de 1 ano, Brasil – EUA
Até aqui, a análise é meramente qualitativa e nos sugere que a direção do câmbio está correta, mas sem dar números. Afinal, qual deveria ser o valor “justo” do câmbio levando em conta tudo isso? Já foi muito longe ou não? Para (tentar) responder, juntamos uma série de modelos estatísticos que relacionam o valor histórico da taxa de câmbio às variáveis listadas acima. O resultado está no gráfico abaixo:
Gráfico 9: Taxa de câmbio R$/US$ – modelo vs. realizado
Ou seja, enquanto a taxa de câmbio média na última semana ficou em 5.50, o modelo de câmbio “justo” previa algo como 5.07. Vemos também que o modelo tem subestimado a taxa verdadeira desde agosto do ano passado, e que esta diferença aumentou nas últimas semanas. A única vez que a taxa de câmbio teimou em desobedecer o modelo (danada!) foi entre 2016 e 2017, só que no outro sentido. Naquela ocasião a taxa de câmbio realizada ficou abaixo da sugerida pelo modelo. Como olhar esse descolamento? Voltaremos ao assunto mais adiante.
Mercado de trabalho: 1 = 6
Os dados de mercado de trabalho do IBGE referentes a março, não deixaram de surpreender qualquer um à primeira vista. A taxa de desemprego ficou em 12.2%, ante expectativas de 12.5%. Ajustada pela sazonalidade, a taxa subiu muito levemente de 11.5% para 11.6%. Marolinha essa crise? Que nada. Em primeiro lugar, devemos olhar a quebra dos dados entre população ocupada e a população economicamente ativa (aquela que trabalha ou procura emprego). Na verdade, a população ocupada caiu 1.1% em relação a fevereiro, mas a população economicamente ativa também caiu 1.0%, mantendo a taxa de desemprego quase inalterada. Isto se deve a metodologia da taxa de desemprego. Só é considerada desempregada aquela pessoa que não trabalha mas está procurando ativamente um emprego. Logo, quem perdeu o emprego mas se encontra obrigado a ficar em casa de quarentena sem procurar não é considerado desempregado.
Gráfico 10: Var. mensal na média móvel 3m da pop. ocupada (milhares, sa)
Outro ponto importante é lembrar que a metodologia de entrevistas do IBGE para a pesquisa só permite a publicação dos dados como média móveis de 3 meses. Ou seja, o que o IBGE divulgou não foi a taxa de desemprego de março, mas sim a taxa de desemprego média dos últimos 3 meses terminados em março. Logo, o coronavírus impactou só uma parte deste período. Se considerarmos que, em geral, a epidemia começou a prender as pessoas dentro de casa apenas na 2a quinzena de março, somente 1/6 da amostra (15 dias de 3 meses) foi realmente impactada. Logo, os ~1 milhão de empregos perdidos que a pesquisa aponta na verdade significam um contingente adicional de 6 milhões de desempregados em apenas 2 semanas. De fato, algo mais em linha com o que temos visto em outros países.
A quebra dos dados também sugere, como era de se esperar, um impacto bem mais forte nos trabalhadores informais e por conta própria. Este grupo representou aproximadamente 70% dos empregos perdidos no período. Por último, vale notar que a pesquisa tem enfrentado sérias dificuldades para entrevistar a população via telefone, em relação ao método presencial anteriormente utilizado. Relatos na imprensa apontam que menos de 35% das pessoas estão sendo encontradas para responder o questionário, o que pode comprometer a qualidade dos dados nas próximas divulgações. Vale lembrar que a divulgação dos dados de mercado formal de trabalho (Caged) também estão suspensas por prazo indeterminado.
Inflação: divergentemente baixa
A inflação de abril medida pelo IPCA-15 continuou em trajetória de baixa, no entanto, alguns padrões merecem atenção. O índice marcou deflação de -0.01% em relação a março (MoM), número levemente abaixo das estimativas dos economistas (+0.01%). A média dos núcleos, que tentam diminuir a influência de fatores atípicos, foi mais baixa ainda em apenas -0.04% MoM. O ajuste sazonal desta série sugere que a inflação “subjacente” no Brasil estaria rodando na casa dos 1.6% a.a nos últimos meses, muito baixo da meta oficial de 4.0%, e caindo. Nada mal pra cortar juros, ein?
Gráfico 11: Média núcleos de inflação – c/ ajuste sazon. e anualizado (saar)
No entanto, ao olhar a quebra dos números chegamos em um cenário menos inequívoco de queda da inflação. Os gráficos abaixo mostram a inflação mensal do índice cheio e de outros três grandes grupos: alimentação, serviços e bens de consumo industriais. Nos mesmos gráficos, estão os respectivos padrões históricos de inflação ao longo do ano para facilitar a comparação.
Gráfico 12: Inflação (MoM%) de grupos selecionados do IPCA/IPCA-15
De um lado, o grupo de serviços não mostrou nenhuma mudança clara em relação ao padrão pré-corona: continua mais ou menos de lado em patamares historicamente baixos. Na ponta de alta, estão os preços de alimentos, subindo mais de 3% no mês, muito acima do padrão histórico. Na ponta baixa, ficaram os produtos industriais, caindo mais de 1%, algo também sem precedentes. Da mesma forma que a Pnad, o IBGE também tem tido algumas dificuldades para coletar os preços na quarentena. No entanto, esta questão tem sido contornada pela cotação de preços a distância, seja por telefone ou internet.
Na verdade, talvez o problema em medir a inflação em tempos de pandemia seja mais conceitual. Qual a significância em medir a variação dos preços de um corte de cabelo se as pessoas não podem ir ao salão? O único item onde a demanda não mudou foi nos alimentos e supermercados, onde os preços seguem em alta. O que os preços em tempos de corona dizem sobre os preços quando as pessoas voltarem a poder consumir livremente? Talvez pouca coisa.
O resumo da ópera: até onde os juros caem?
De um lado a economia promete derreter nos próximos meses, com pioras sem precedentes da atividade e do mercado de trabalho. De outro, o câmbio tem mostrado umas das depreciações mais fortes em décadas. O fato de o repasse cambial médio ter sido muito baixo nos últimos anos não nos parece evidência forte o suficiente de que continuará baixo. Uma coisa seria o custo de uma mercadoria aumentar, digamos, 5% e o empresário repassar 2% e absorver os outros 3%. Outro mundo seria o de uma depreciação de 35%, como foi a neste ano, sem margens para queimar. Para que fique certo, nosso cenário base ainda é de inflação relativamente baixa este ano (2.5%). No entanto, não nos parece razoável ter muita confiança neste cenário e o BC, em nossa visão, também não deveria ter.
Dito isto, deixemos de lado o número de inflação deste ano por um instante, supondo que este realmente ficará abaixo da meta. Seria isso suficiente para justificar uma postura agressiva de corte de juros daqui em diante? Em nossa visão, não. Voltando a questão da taxa de câmbio, o fato de a depreciação ter sido mais acentuada do que aquela sugerida pelos modelos econométricos talvez diga alguma coisa afinal. Tais modelos não conseguem capturar adequadamente relações não-lineares entre as variáveis. Poderia alguma delas ter chegado a um limite, estressando a taxa de câmbio sobremaneira? Uma candidata natural seria a taxa Selic, que se encontra em níveis historicamente baixos.
Difícil dizer, mas vale notar algo interessante. Lembremos que o período em que o real “teimou” em estar mais valorizado em relação a nosso modelo foi entre meados de 2016 e 2017. O problema dos juros na época parecia ser justamente o contrário do que é hoje. Em uma tentativa (bem sucedida) de reancorar as expectativas e a credibilidade da política monetária, o Bacen era acusado de ser muito “duro” com os juros, evitando cortes apressados na Selic. Coincidência apenas ou um sinal de que os juros importam mais do que os modelos podem sugerir? Seguimos relativamente céticos que a Selic fique abaixo dos 3% este ano.
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