A aceleração do coronavírus fora da China foi o gatilho para uma das piores semanas da história nos mercados globais. As incertezas neste sentido não se restringem às questões de primeira ordem, como a extensão do contágio e sua letalidade. Qual será seu efeito psicológico? Trata-se de um choque de demanda ou de oferta? Políticas fiscal e monetária serão eficazes? Estas perguntas provavelmente não serão respondidas nos próximos dias. Em termos de indicadores econômicos, os dados do PMI da China confirmaram o cenário esperado de forte contração econômica no curto prazo. No Brasil, os dados de emprego e crédito de janeiro continuaram a apontar recuperação gradual.
A situação parecia sob controle na China… Até as vésperas do carnaval, os mercados globais se mantinham relativamente resilientes à evolução da epidemia de Coronavírus na China. Afinal, as medidas restritivas impostas pelo governo mostravam efeito e o número de novos casos seguia em queda, quase exclusivamente concentrados na província de Hubei. Sem sinais claros de aceleração da doença em outros países, parecia uma questão de tempo para que o consumo e a produção chinesa voltassem a se normalizar, sem impactos duradouros na economia mundial.
… até que a doença começou a se espalhar pelo mundo… De fato, os focos fora da China só começaram a crescer de forma mais acelerada por volta do último dia 21, com destaque no Irã, Coréia do Sul e Itália. Até a manhã de segunda-feira, 9,200 casos tinha sido confirmados fora da China.
Gráfico 1: Número de casos de Covid-19 fora da China (milhares)
… com fortes impactos nos mercados. Olhando em perspectiva, o recuo de 8.4% do Ibovespa na semana não foi tão forte. De fato, as principais bolsas no mundo mostraram quedas tão ou mais intensas, no mesmo período. Neste sentido, destacamos a queda de S&P 500, a quinta mais intensa em quase um século.
Gráfico 2: Variação (%) das bolsas mundiais na semana passada
Gráfico 3: Variação (%) semanal do S&P500
O que (não) se sabe sobre a epidemia. Ainda há elevada incerteza sobre o potencial de letalidade e contágio da doença. Por exemplo, enquanto os dados de mortalidade em Hubei sugeririam taxa de mortalidade próxima de 3.5%, os números em outras províncias apontam algo próximo de 0.5%. A mesma incerteza parece haver sobre o potencial de contágio. De toda forma, o fato de o governo ter construído vários hospitais às pressas na região, mesmo com fortes medidas restritivas para controlar o contágio, parece ser indicador suficientemente concreto e confiável sobre a gravidade que a doença pode tomar em outros países atingidos. De fato, já há relatos sobre a falta de recursos médicos na Itália.
Mais riscos para a economia mundial. Ao se tornar uma epidemia em nível global, a incerteza sobre o tema ganha novas dimensões. Se antes a questão parecia se resumir a um choque de curto prazo na economia chinesa, agora inclui o risco de impactos mais duradouros na economia global. Afinal, o poder de mobilização e controle que o governo chinês tem mostrado para conter a doença provavelmente não encontrará contrapartida em outros países.
Neste sentido, podemos elencar algumas questões ainda sem resposta sobre os efeitos do coronavírus fora da China. Quais serão os efeitos psicológicos de uma epidemia em larga escala? Quais os graus de liberdade que os governos terão para implementar políticas anticíclicas? Mesmo se implementadas, terão o efeito esperado em um contexto novo de forte aversão a risco? Estas perguntas provavelmente não serão respondidas nos próximos dias. Olhando (confortavelmente) em retrospectiva, não nos parece que a queda dos mercados na semana tenha sido exagerada.
Indicadores econômicos
Forte queda dos PMIs na China. De fato, estes foram os primeiros indicadores agregados a capturar o efeito cheio da epidemia na China. Enquanto o PMI da indústria recuou para 35.7, o índice de serviços foi de apenas 29.6, valores inclusive mais baixos do que os registrados na crise financeira de 2008.
Gráfico 4: PMIs na China
No Brasil, crédito e emprego seguiram em recuperação gradual. A taxa de desemprego de janeiro recuou levemente para 11.5% (ante 11.6% em dez.) ajustada sazonalmente, puxada essencialmente pela criação de empregos. Para o crédito, o estoque total continuou acelerando, registrando alta de 7.0% em 12 meses ante 6.5% em Dezembro. Ou seja, os dois principais pontos positivos (emprego e crédito) da recuperação recente continuaram ganhando tração.
Gráfico 5: Taxa de desemprego no Brasil
Gráfico 6: Crescimento (%) em 12 meses do saldo de crédito no Brasil