Renner: O dia chegou

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Logo antes da pandemia em 2020, junto à divulgação do lucro recorde de R$1,1 bilhão, a Renner atingiu o maior valor de mercado da sua história: R$43 bilhões. Foi a coroação de uma das melhores histórias da bolsa brasileira. Uma varejista que saiu de 95 lojas em 2007 para 603 naquele momento, e mais que dobrou as vendas por metro quadrado, 20% acima da inflação. Nesses 12 anos as vendas totais cresceram 5 vezes e a empresa manteve um retorno sobre o patrimônio líquido médio, métrica de rentabilidade do negócio, de 27%, um dos maiores da bolsa. A partir da pandemia, no entanto, o negócio degringolou. As ações caíram 72% até a empresa valer R$12 bi mesmo com novo recorde de lucro em 2022. O valor de mercado atual, de R$16 bi, foi alcançado pela primeira vez em 2016, 8 anos atrás.

A derrocada da ação foi a mistura da queda do lucro com a redução do múltiplo do lucro (preço/lucro) que negocia no mercado. A queda do lucro ocorreu principalmente pelo surto de inadimplência que afetou a financeira Realize. Já a queda do retorno sobre o patrimônio combinou a queda do lucro com o aumento do patrimônio após a oferta de ações em 2021.

Sempre admiramos a Renner e seus resultados, mas nunca investimos na ação por avaliar que o valor da empresa refletia seus fundamentos e potencial. Após a crise e a queda, o dia chegou. O investimento da Versa na Renner se baseia na premissa que parte da perda de rentabilidade da companhia é temporária, e já iniciou a recuperação. Pela combinação do valor atrativo com as melhoras em curso, Renner se tornou o maior investimento da gestora, perfazendo 14% do fundo Versa Institucional (long-only), e 100% do patrimônio do Versa Long Biased contando a exposição através de opções.

GRÁFICO 1

A saída do Galló

2019 foi o último ano de comando do José Galló, que renunciou ao cargo de diretor-presidente e se tornou presidente do conselho. Galló assumiu a companhia em 1998 e comandou a expansão Brasil afora. Em 2024 renunciou ao conselho e deixou definitivamente a empresa.

Eventualmente se associa à derrocada da Renner a saída do Galló, que tinha punho firme na gestão, famoso por monitorar as lojas por câmera a partir da sua sala no Rio Grande do Sul. Galló também era conhecido pelo estilo de gestão austero, que pregava a simplicidade como princípio. Com o Brasil já povoado com suas tradicionais lojas de 2 mil m², o mercado suspeitou de um possível esgotamento do modelo que Galló implementou. Os volumosos investimentos em tecnologia e logística também geraram temores de perda da cultura de austeridade do Galló.

A Renner, no entanto, continuou concentrando esforços para atender clientes de média e alta renda com o conceito fast-fashion, e desenvolveu um novo modelo de loja menor e adequado para cidades pequenas onde ainda não tem presença, abrindo uma nova fronteira de expansão. Muitos destes municípios, inclusive, não têm shopping, por isso são lojas de rua com 1,3 mil m². A companhia mapeou 300 localidades para as novas lojas, e prevê 20 a 30 novas lojas por ano.

Já os investimentos em tecnologia e logística feitos durante a pandemia fortaleceram a cadeia da produção à loja, o que hoje permite a Renner calibrar melhor o estoque por ponto de venda, diminuindo o estoque encalhado e melhorando a margem bruta de mercadorias, no melhor estilo fast-fashion.

Não encontramos, portanto, uma mudança estratégica na Renner desde a saída do Galló, mas uma evolução da companhia que se tornou maior e mais complexa, exigindo um novo formato para expansão e um ciclo de investimentos na operação que acabou impulsionado pela pandemia.

A pandemia do online

Durante a pandemia, com as lojas fechadas, todas as varejistas viram-se obrigadas a investir nos canais digitais para vender. Iniciou-se uma competição pela melhor experiência do cliente com a redução da fricção na compra, dos prazos de entrega e até vendas assistidas online. A métrica dominante para as varejistas se tornou o NPS, medida de satisfação dos clientes. As empresas investiram somas vultosas para construir os tais ecossistemas, que vão desde banco digital que substituiu a boca do caixa da loja fechada, à cadeia logística para suportar as entregas rápidas. A Guararapes, por exemplo, chegou a ter mais programadores do que lojas.

O investimento da Renner, da ordem de R$600 milhões ao ano, saltou para R$1 bi pelos 2 anos de pandemia. O investimento em lojas, que correspondia a 60% do total, caiu para 30%. Dentre os grandes investimentos do período, a Renner gastou R$750 milhões em um novo centro de distribuição na cidade de Cabreúva totalmente automatizado, estado da arte em galpões logísticos, que ficou pronto no final de 2023. Até ficar operacional, para evitar rupturas, a Renner foi obrigada a manter os antigos centros de distribuição em funcionamento, gerando custos de redundância de R$100 milhões, concentrados no segundo semestre do ano passado.

Oportunamente em 2021, com a ação perto das máximas em meio às incertezas, a Renner fez uma oferta primária de ações e captou R$4 bi para bancar esses investimentos e o crescimento da carteira de crédito. Na época o mercado especulava que a Renner iria comprar alguma varejista online para acelerar seu crescimento e capturar expertise. O conservadorismo prevaleceu, os prejuízos foram evitados e ao final sobrou R$1 bi no caixa. A mudança na estrutura de capital resultante da captação, no entanto, reduziu a rentabilidade do negócio.

A explosão do online também aumentou a penetração dos competidores internacionais, como a Shein, que em 3 anos foi de zero à líder do tráfego online. A Renner ainda implementou fortes aumentos de preço em 2021 e 22, o que virou a principal reclamação dos clientes, derrubando o NPS. A partir de 2023 a Renner controlou os preços, enquanto este ano as plataformas estrangeiras passaram a pagar imposto de importação para mercadorias de todos os valores. Com isso o preço relativo da Renner melhorou nos últimos meses, assim como a avaliação dos consumidores.

A queda da rentabilidade

Usamos a análise DuPont para decompor as forças que derrubaram o retorno sobre o patrimônio (ROE) da Renner nesses últimos anos. O ROE de uma empresa é o retorno sobre seus ativos (ROA) multiplicado pela sua alavancagem (Ativo total / patrimônio líquido). A Renner tem tanto a operação das lojas quanto a financeira Realize. Os ativos da primeira são suas fábricas, centros de distribuição, estoques de matérias primas e produtos acabados, enquanto da Realize é a sua carteira de empréstimos. O retorno sobre os ativos da Renner é a margem líquida de suas vendas (lucro líquido/vendas) multiplicado por quanto o ativo da empresa gera de vendas (vendas/ativo total), o giro do ativo. Dessa forma é possível separar quanto o ROE da empresa foi afetado pela variação da margem líquida, seja por remarcação de peças, aumento das despesas ou matérias primas; e quanto foi afetado pelo aumento ou redução das vendas.

Como mostra o Gráfico 2, o giro do ativo caiu com força a partir de 2019. Como se vê no Gráfico 1, as vendas da Renner foram severamente afetadas pela pandemia em 2020, mas se recuperaram e atingiram novas máximas em 2023, não explicando a queda do giro do ativo. Já a margem líquida sofreu severamente após a pandemia, principalmente pelo surto de inadimplência que destruiu o resultado da Realize. Por último o ativo da empresa cresceu 77% nos últimos 4 anos, incorporando o ciclo de maiores investimentos na operação, com a construção do novo centro de distribuição.
A alavancagem da Renner também caiu após o aumento de capital, já que sobrou dinheiro no caixa. As ações emitidas foram incorporadas ao patrimônio líquido, que aumentou de R$ 5,5 bi para R$ 9,5 bi após a oferta. Dessa forma, a relação entre os ativos e o patrimônio líquido caiu de 2,5 vezes em 2021 para 2,1 vezes em 2023.

GRÁFICO 2

A crise da Realize

A mudança na regulação do Banco Central que facilitou a criação de instituições de pagamento e os juros baixos antes e durante a pandemia levou à explosão na emissão de cartões de crédito no Brasil. O braço financeiro das magazines, como o MBank da Marisa, a Midway da Riachuelo e a Realize da Renner, especializadas em dar crédito para clientes piores e menos bancarizados, de repente viram-se às voltas com a competição do Nubank, Picpay, entre outros. A partir de 2022, com a elevação da Selic pelo Banco Central e a desaceleração da economia, os excessos se transformaram em inadimplência.

A inadimplência da Realize (acima de 90 dias) que costumava rodar ao redor de 10% cresceu para 19% na média dos anos de 2022 e 23, impulsionada pelos cartões embandeirados (co-branded), que os clientes usam para compras dentro e fora da Renner. Esta carteira, usualmente menor que os empréstimos para uso exclusivo na loja (private-label), aumentou nos anos antes da crise em resposta à concorrência, como mostra o Gráfico 3. Quando o surto de inadimplência atingiu em cheio esta carteira, o resultado da Realize saiu de R$280 milhões por ano na média pré-crise para um prejuízo de R$17 milhões somados os 2 últimos anos.

GRÁFICO 3

Como mostra o Gráfico 4, desde 2011 o crescimento da carteira de crédito passou a superar o crescimento das vendas com o crédito. A estratégia da Renner era desenvolver a Realize organicamente através dos cartões embandeirados e agregar serviços financeiros, caminho trilhado pelo Nubank. Apesar do crédito não se converter em vendas dentro das lojas, o negócio bancário era rentável até o surto de inadimplência. O primeiro passo para conter a crise de crédito foi parar de emprestar dinheiro. Metade das vendas eram financiadas com os cartões Renner antes da crise. Após a mudança nos parâmetros as vendas financiadas caíram para 30% do total, atrapalhando a venda de mercadoria.

GRÁFICO 4

Após a contenção do crédito, a queda da Selic e o aumento da população empregada, a inadimplência do sistema financeiro melhorou, assim como o custo de captação. Com isso gradualmente os critérios de crédito vão sendo afrouxados e as concessões devem aumentar. A carteira da Renner ainda decresceu no último trimestre, mas a empresa já voltou a conceder maiores limites para os bons clientes dando incentivos como cashback para o uso do cartão private-label, em detrimento ao cartão embandeirado onde a competição é ferrenha e foram as maiores perdas. Aos poucos, a Renner pretende estabilizar a carteira com uma melhor qualidade, de forma a impulsionar as vendas com menor inadimplência.

O caminho para a recuperação

O caminho para a recuperação das ações da Renner passa pela melhora dos 3 grandes grupos elencados nesse artigo: recuperação das vendas pelo crescimento da renda da população, menor competição internacional e aumento da concessão de crédito; melhora na rentabilidade da operação de varejo e de crédito, no varejo pela expansão da margem bruta fruto de menores remarcações após a nova cadeia logística, e no crédito tanto pela redução da inadimplência quanto pela redução no custo de captação; redução dos custos redundantes e aumento da alavancagem operacional com o aumento das vendas e diluição dos custos fixos. São tantas forças trabalhando em conjunto para melhorar o resultado da companhia que geram muitas simulações de resultado, que serão exploradas no próximo artigo.