O “Novo Normal” para Commodities Na China e No Mundo

O preço do aço na China está +115% mais alto hoje que no final de 2015. Por conta disso, a rentabilidade da siderurgia Chinesa saiu de -US$66/ton (prejuízo) para US$154/ton. Muitos acham isso insustentável. Nós discordamos. Explicamos nosso racional abaixo.

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A China é conhecida por inundar o mundo com aço, forçando queda de preços da commodity pelo mundo e dificultando a recuperação pós crise 2008 para siderúrgicas fora do país asiático. De 2007 para cá, a produção de aço chinesa subiu +73%. No mesmo período, a produção de aço no Brasil subiu somente +2%, enquanto nos EUA e Europa caiu -16% e -20%, respectivamente. Na siderurgia, a China cresceu em detrimento de outros países.

Figura 1: Produção de Aço Mundial 2017

Fonte: World Steel Association

Figura 2: Produção de Aço China 1990-2017 (Milhões de Toneladas)

Fonte: World Steel Association

Por Que A Produção de Aço Subiu Tanto?

O crescimento da produção de aço na China foi parte da industrialização e do aumento do investimento em capital fixo no país, componentes importantes do modelo desenvolvimentista do partido comunista chinês. O capitalismo de estado da China gerou forte crescimento econômico nas últimas décadas (próximo de +10% ao ano) e ajudou boa parte da gigante população chinesa deixar a subsistência agrária por empregos em manufatura e serviços nas grandes cidades. Na década de 1970, agricultura representava ~35% da economia Chinesa. Hoje, agricultura representa menos de 10%, enquanto a industria e os serviços representam ~40% e ~50%, respectivamente. O crescimento forte é diretamente relacionado à mudança de mix (o peso de cada componente) na economia. Serviços e produtos manufaturados são mais valiosos que produtos agrícolas. A migração aumenta naturalmente a produtividade de cada um dos quase 1 bilhão de trabalhadores chineses. O PIB/capita chinês saiu de US$115 em 1970 para >US$8.000 em 2016.

Pode Continuar Para Sempre?

Esse modelo tem limites práticos. O primeiro é o retorno marginal decrescente. Manufatura/serviços já tem peso grande na China. Hoje, 1 ponto percentual de transferência de produto interno bruto de um setor com pouco valor agregado para manufatura/serviços faz menos diferença para a produtividade total do país que fazia 50 anos atrás. O segundo problema é que um país que depende das exportações precisa de um ambiente global de crescimento robusto para consumir sua produção. Já escrevemos nos artigos EUA x China – Guerra Comercial? e Bull Market Não Morre de Velhice que uma eventual guerra comercial entre China e EUA (o maior comprador de produtos da China), junto com o fim do crescimento global sincronizado, pode comprometer as exportações da China. Mesmo desconsiderando esses dois pontos, basta ver que o mundo cresce somente 2,5%-3,0%, metade do crescimento atual da China, para entender que não existe absorção infinita da produção crescente dos chineses. Contudo, o crescimento do PIB na China vem e deve continuar desacelerando.

Qual é a Alternativa?

Junto com o enriquecimento de mix, o modelo chinês das últimas décadas priorizou aumento do volume de produção. Para frente, acreditamos que uma mudança importante seria priorizar o valor da produção. Para isso, no longo prazo, o país precisa continuar enriquecendo o mix da economia via inovação. Precisa de produtos de alta tecnologia. O investimento em capital fixo do passado pode, por exemplo, migrar para investimento em pesquisa e desenvolvimento de produtos de maior valor agregado. Mas essa mudança deve ser lenta. Até lá, para enfrentar os desafios de crescimento mais fraco, enxergamos uma potencial política paliativa: medidas que sustentem altos preços de commodities. Enquanto a China não consegue migrar para serviços e produtos de alto valor agregado, precisa maximizar o valor daquilo que já produz.

Daí Vem o Supply Side Structural Reform (SSSR)

No Central Economic Work Conference (CEWC) da China em dezembro/2015 surgiu a ideia de uma nova politica econômica para o país: Supply Side Structural Reform. Liderado pelo presidente Xi Jinping, O SSSR tem 5 objetivos: (1) cortar excesso de capacidade industrial; (2) reduzir estoque de propriedades; (3) diminuir o endividamento corporativo; (4) cortar custos das empresas; e (5) reforçar “pontos fracos”. De acordo com o time de inteligência da revista Economist, o SSSR procura principalmente reduzir a dependência da economia chinesa à estímulos, destravando aumentos latentes de produtividade.

A economia chinesa precisa gerar mais valor com menos ativos. Acreditamos que o SSSR, na medida que reduz excesso de capacidade de produção, cria um “novo normal” para os preços de commodities; preços esses que destravam ganhos de rentabilidade e queda de endividamento corporativo. Desde o anúncio do SSSR, os preços de aço, papel e celulose, sobem +115%, +37%, e +34%, respectivamente na China. Não por acaso, as mesmas commodities negociam hoje a valores mais altos fora da China também. A racionalidade de oferta tem impacto global. E não necessariamente precisamos ver queda de produção. Foi o caso do aço. A produção de aço chinês ainda cresceu em 2016 e 2017, mas o preço subiu. Houve desligamento da capacidade realmente excedente: aquelas usinas poluidoras, de alto custo, que rodavam abaixo do nível de utilização de capacidade ideal. Essas deixaram espaço para o aumento de utilização de capacidade das empresas maiores e mais modernas. No mercado de papel, onde os dados são mais obscuros, já ouvimos de contatos da indústria comentários na mesma linha: reduziu-se o número de produtores sem reduzir a produção. Mesmo no capitalismo de estado Chinês, reduzir o número de competidores trouxe racionalidade e lucros maiores para as empresas.

O Aumento de Rentabilidade É Sustentável? Acreditamos que Sim.

A China não tem uma economia de mercado. Nas economias de mercado, retornos/lucros altos em um determinado setor atraem competição, que por sua vez causa queda dos preços e taxas de lucro. Dentro e fora da China, o aumento de rentabilidade das commodities é sustentável na medida que a politica econômica de SSSR é sustentável. Enxergamos dois motivos para o SSSR ser uma política econômica duradoura: (1) o discurso do partido comunista chines, representado por Xi Jinping, demonstra o desejo verdadeiro por uma nova China no longo prazo, com crescimento de maior qualidade (vs. quantidade) e menos poluição; (2) sem o SSSR, o futuro enriquecimento do mix da economia chinesa, com contribuição maior de produtos de alta tecnologia, pode ser lento demais para as metas do país para a economia. Enxergamos o SSSR como uma sólida politica de transição entre o modelo antigo e uma nova modernização tecnológica do país.

Por acreditar na sustentabilidade da política de racionalidade de oferta da China, e por consequência na perspectiva de preços para commodities dentro e fora da China, seguimos com posição comprada na principal produtora de aços planos brasileira: Usiminas. Esse investimento, como todos, não é livre de risco. Outro fator importante para os preços das commodities fora da China é o valor do dólar americano frente a moeda chinesa (renminbi). Desde o início de 2018, o dólar se valorizou +4% vs. o renminbi. Historicamente, apreciação do dólar vs. o renminbi tende a pressionar os preços das commodities para baixo. Caso a apreciação continue, pode ser um risco para a tese.

 

Disclaimer: As opiniões, análises e informações contidas nesse artigo não constituem recomendação de investimento, nem tampouco material de oferta para subscrição, compra ou venda de títulos ou valores mobiliários, instrumentos financeiros, cotas em fundos de investimento ou qualquer produto ou serviço de investimentos. Declarações contidas neste artigo relativas às perspectivas dos negócios, projeções de resultados operacionais e financeiros, bem como referências ao potencial de crescimento das companhias citadas, constituem meras previsões, baseadas nas expectativas do analista responsável em relação ao futuro. Essas expectativas são altamente dependentes de fatores incertos, como o comportamento do mercado, da situação econômica do Brasil, da indústria e dos mercados internacionais. Portanto, cada declaração aqui escrita está sujeita a mudanças, e não deve ser utilizada como insumo para qualquer estratégia de investimento pessoal ou institucional. A Versa Gestora de Recursos Ltda., seus sócios e colaboradores, por meio dos fundos de investimentos da casa, podem ou não estarem posicionados em títulos e valores mobiliários de emissores aqui mencionados, de forma que eventualmente influencie nas opiniões e análises aqui presentes.

2 COMMENTS

  1. Ola, gostei do texto mais uma parte nao esta clara. Se a china produz menos aço e demanda menos minerio de ferro, este nao deveria diminuir a longo prazo? como vcs avaliam o preco do minerio de ferro neste contexto?

    • Bom Dia, Ricardo

      Como escrevemos no artigo, não necessariamente haverá redução na produção de aço. Basta essa produção, que ainda cresceu em 2017 e cresce em 2018, deixar de crescer nos níveis galopantes antigos, ou até mesmo se concentrar em um número menor de produtores, que já ajuda a dinâmica de preços.

      Sobre minério de ferro: As medidas de proteção ao meio ambiente via racionalização da produção de aço favorecem o uso do minério de maior qualidade (teor de ferro) e reduzem demanda por minério de baixa qualidade. O minério de alta qualidade aumenta a produtividade das usinas e reduz as emissões de poluentes. Por isso estamos vendo hoje, e devemos continuar vendo, um alto prêmio de preço no minério de alto teor de ferro. Enquanto isso os estoques de minério de baixa qualidade estão em níveis bastante altos na China.

      Resumo: a demanda de minério no total provavelmente não deve cair, e o minério de alta qualidade ganha prioridade.

      Espero que ajude.

      Paulo

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