O que faz um cenário econômico deteriorar? Se um país está em rumo certo, com crescimento sustentável e inclusivo, inflação e desemprego baixos e aumentos de renda per capita real, há motivos para desconfiar de um descarrilhamento? Nenhuma economia está imune a choques e cenários benignos podem virar malignos quando menos esperamos. Mesmo sem eles, qualquer economia sofre ajustes de tempos em tempos.
Figura 1: Principal Índice de Ações Americano (S&P 500)
Fonte: Bloomberg
Desde a 2ª guerra mundial, a economia americana entrou em recessão 11 vezes. Recessão é quando uma economia, medida pelo seu produto interno bruto (PIB), encolhe por dois ou mais trimestres seguidos. Recessões geralmente são acompanhadas por queda de preços de ações, aumento do desemprego, redução no ritmo de atividade industrial e, dependendo da profundidade da queda, piora em importantes métricas de bem estar social (educação, saúde, pobreza, desigualdade, criminalidade, etc). A última recessão americana foi em 2008-2009. Desde então o país surfa uma trajetória de recuperação lenta, consistente e duradoura. Já se recuperaram os empregos, os preços das moradias, os salários médios e o endividamento das familias.
O Que Poderia dar Errado?
É impossível dizer com convicção quando e o que irá causar uma recessão nos EUA, ou qualquer outro país. Mas no contexto atual, enxergamos seis possibilidades, listadas abaixo. Não estamos dizendo que uma ou todas as possibilidades irão acontecer, mas são temas importantes a monitorar.
Guerra Comercial
A guerra comercial acontece quando um país adota medidas para aumentar suas exportações/reduzir suas importações em detrimento de seus parceiros comerciais. Os EUA está nesse momento trocando ameaças com a China. Até o momento, nenhuma das medidas propostas indica desastre econômico para um país ou outro, mas vale monitorar se ataques mais severos serão anunciados. Mais detalhes sobre a crise entre EUA x China aqui;
Aumento de Juros
O banco central americano indica que os juros nos EUA, que já vem subindo nos últimos meses, devem subir dos atuais 1,9% para 3,1% até final de 2019. Aumentos de juros servem para freiar o crescimento de uma economia, pois elevam o custo de capital do sistema e reduzem os recursos disponíveis para investimento e consumo. Os bancos centrais utilizam alta de juros quando o crescimento acelerado da economia pressiona a inflação. Pode parecer contra intuitivo puxar o freio em uma economia que cresce, pois crescer é bom. Por outro lado a alta na inflação leva à perda do poder de compra da população e tem efeitos secundários nefastos para a economia.
Problema Fiscal
Donald Trump assinou uma reforma tributária que deve reduzir a arrecadação de impostos em ~US$1,5 trilhões nos próximos 10 anos. Além disso, os EUA também sofrem do ônus demográfico de uma população que envelhece, abrindo um buraco entre os custos e contribuições previdenciárias no futuro. Por isso, o Congressional Budget Office estima que, mantidas as leis atuais, o total de dívida pública detida por americanos como % do PIB deve subir dos atuais 78% para ~100% no ano 2030 e >150% no ano 2048. Se somar a dívida pública não detida por americanos, esse índice já passa dos 100% hoje. Se confirmados, esses índices serão inéditos para a economia americana. Isso não significa necessariamente que o país irá “quebrar” ou dar calote em dívida. Mas um cenário de piora fiscal desse nível certamente viria com desafios. No Brasil, por exemplo, muitos economistas acreditam que o problema fiscal crônico contribuiu para o histórico de juros e inflação altos, problemas esses que sozinhos já diminuem o potencial de uma economia crescer de forma sustentável, até nos EUA.
Figura 2: Total de Dívida Pública Americana / PIB
Fonte: Federal Reserve Bank of St. Louis
Queda de Preços de Ativos Importantes para a Economia
Nos EUA, onde ~55-65% da população tem casa própria e investe diretamente no mercado de ações, a variação de preço desses ativos impacta fortemente os níveis de confiança e a capacidade das familias de consumir. Por isso, eventos como a grande recessão de 2008 causam desespero para a população americana. O risco aqui seria se um grupo de ativos financeiros sofrer queda de preços, causando uma onda de venda de ativos para estancar perdas. Nesse caso a onda de venda fortalece a queda de preços, criando um processo vicioso que pode travar o mercado de capitais.
Aumento de Inadimplência Individual ou Corporativa
Um fator determinante da confiança do sistema financeiro é a capacidade dos tomadores de crédito honrarem seus empréstimos. Essa confiança mantem o fluxo de crédito adequado para financiamento de investimento e consumo. Fato é, que as economias funcionam em ciclos de aumento de crédito e endividamento, seguido por um período de maior inadimplência e por consequência menos disponibilidade de crédito; o processo se repete. Apesar das famílias americanas hoje terem situação financeira relativamente confortável, o saldo de dívida corporativa (excluindo empresas financeiras) já representa ~75% do PIB americano. É o mesmo nível que o pico antes da crise de 2008. Pelo gráfico abaixo, vemos que a economia americana vem sustentando níveis mais altos de endividamento ao longo do tempo, mas a evolução é longe de ser linear. Picos de crédito acontecem, uma hora ou outra. A boa notícia é que os índices de inadimplência seguem baixos.
Figura 3: Dívida Corporativa (Ex Setor Financeiro) Americana / PIB
Fonte: Federal Reserve Bank of St. Louis
Figura 4: Taxa de Inadimplência Bancária nos EUA
Fonte: Federal Reserve Bank of St. Louis
Crise Econômica Fora dos EUA
Poderíamos ter um efeito cascata de uma crise econômica fora dos EUA, como na China ou Europa. Aqui o assunto se complica. Se é dificil prever recessão na economia mais conhecida do mundo, imagina de todas as outras. Dito isso, o que no inicio de 2018 parecia ser um mar de águas calmas em praticamente todas as economias do mundo, agora está sendo testado. Mercados emergentes como Argentina, Turquia e Brasil, além de terem seus próprios desafios, sofreram com a alta recente do dólar. Na Europa, surgiram preocupações com a dívida pública da Itália nas últimas semanas. Na Alemanha, houva uma queda de expectativa de crescimento de PIB na mesma ordem que o ajuste que atingiu o Brasil após a greve dos caminhoneiros. Nenhuma dessas situações gerou uma crise, mas se os problemas aprofundarem, poderia causar impacto no comercio global e assim reduzir o crescimento nos EUA.
Boa tarde.
Agradeço aos cuidados da equipe Versa em manter seus cotistas informados em relação a situações que por ventura possam vir a influenciar o fundo.
Tomando a linha de pensamento de crise européia, alguns países, tais como Áustria e Alemanha, estão com um crescimento acelerado. Em meio a um cenário de melhora acima da média, é possível que haja uma desestabilização destes países, pelo elevado desenvolvimento e não ser possível manter a velocidade, “descarrilando” em algum ponto futuro ?
Att,
Dion Cleiton Kuhn
Boa noite, Dion
Não olhamos no detalhe as economias da Alemanda e Áustria. Mas como mencionei acima, qualquer economia é vulnerável à choques. Precisaria estudar mais a fundo para te dar uma resposta precisa.
Att.,
Paulo
Como assim a dívida corporativa sai de 30% em 1952 pra 75% agora? Como isso pode ser justificado? Não parece que tem algo que não fecha aí? Será que essa grande economia não está quebrada a muito tempo e basta as pessoas perceberem isso de fato pra uma recessão sem precendetes?
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