A Semana Macro (01/06) – Saudades do que a Gente não Viveu Ainda

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Olhando pelo retrovisor, a impressão é de que a economia brasileira finalmente estava ganhando tração antes do covid. Como a epidemia não tem dado muitos sinais de melhora, a retomada pode demorar um pouco. No entanto, algumas alavancas podem ajudar nessa recuperação. Inflação e juros baixos com contas externas equilibradas certamente ajudam. Os indicadores da semana foram neste sentido. Vamos aos detalhes:

Covid-19: Ritmo segue divergente entre estados

Enquanto nos EUA e na Europa continuamos a ver uma melhora gradual nos números, no Brasil ainda é difícil dizer que o pior já passou. Que fique certo, o ritmo de crescimento das mortes parece estar perdendo força e ter se acomodado na casa dos 1 mil casos por dia, quando olhamos os dados agregados. No entanto, a situação tem variado bastante entre os estados, como o gráfico abaixo mostra.

Gráfico 1: mortes diárias por covid-19 por milhão de hab. (média m. 7 dias)

Fonte: Ministério da Saúde e Versa Asset

Atividade: saudades do que a gente não viveu ainda

Olhando pelo retrovisor, a impressão é de que a economia caminhava para uma consistente recuperação se não fosse o coronavírus. Os dados na semana parecem ter reforçado essa visão. A começar pelo PIB do 1o tri. A queda foi de -1.5% contra o trimestre anterior (T/T), bem em linha com as expectativas dos economistas. O principal destaque negativo ficou com o consumo das famílias (que responde por 2/3 do PIB) ao recuar -2% no trimestre. Pela ótica da oferta, sofreram tanto o setor de serviços (-1.6%) quanto a indústria (-1.4%), enquanto a agropecuária se mostrou resistente (+0.6%). De fato, nada muito surpreendente se levarmos em conta o forte impacto das quarentenas em março.

Gráfico 2: PIB do Brasil – crescimento %

Fonte: IBGE e Versa Asset

No meio de tantos números negativos, no entanto, algo nos chamou a atenção. Foram os investimentos, que saltaram +3.1% T/T. Que fique certo, tem uma pegadinha ai. O número foi parcialmente inflado por algumas operações contábeis envolvendo o setor de petróleo. Por uma mudança tributária, as empresas do setor “importaram” plataformas de petróleo já existentes e que já operavam em solo brasileiro. Foram US$2.3 bilhões que entraram na conta do PIB de investimentos e nas importações, sem que isso significasse muita coisa de fato. Ao excluirmos essa influência, os investimentos teriam caído algo próximo de -0.5% no trimestre.

Dito isto, por que os números de investimento deveriam animar então? Animaram pois uma queda de -0.5% foi muito pequena em relação ao esperado, sugerindo que os investimentos seguiam muito fortes no início do ano antes de serem impactados pela pandemia. Explica-se: os investimentos costumam ser a parte mais sensível do PIB a crises e retomadas. Se o consumo (normalmente mais resiliente) caiu -2%, seria de se esperar que os investimentos tivessem caído muito mais.

Nessa mesma linha, os dados do Caged divulgados na semana também apontaram para uma forte recuperação do mercado de trabalho no início do ano. Lembrando, algumas mudanças na pesquisa haviam atrasado sua publicação, e nessa semana foram conhecidos os números de janeiro, fevereiro, março e abril ao mesmo tempo. Para março e abril, foi naturalmente um show de horrores. Ajustando pela sazonalidade, foram destruídos 246 mil e 922 mil postos líquidos de trabalho nos dois meses, algo sem precedentes. No entanto, os dados de janeiro e fevereiro mostraram uma aceleração robusta do mercado até então. Em fevereiro foram criados 111 mil postos líquidos, o melhor número mensal em 6 anos.

Gráfico 3: criação líquidas de empregos no Brasil (milhares sa)

Fonte: Ministério da Economia e Versa Asset

Indo para o campo anedótico, a percepção de que a atividade estava despontando antes do covid-19 também se fez sentir na safra de resultados das empresas listadas na bolsa. Chamou a atenção dos nossos analistas de ações a quantidade de empresas reportando forte crescimento da receita nos primeiros meses do ano antes do estrago do covid a partir de março. A economia parecia finalmente estar pegando tração.

Inflação: em baixa

Outro destaque foram os dados de inflação, que continuaram a surpreender para baixo. O IPCA-15 de maio marcou queda de -0.59% ante o mês anterior (M/M), algo bem mais forte do que os economistas esperavam (-0.47%). Embora boa parte da surpresa tenha ficado por conta da “moderação” na alta dos alimentos (+0.6% vs. +3.1% em abril), a maioria dos outros grupos seguiu em baixa. A média dos núcleos de inflação (que tentam diminuir a influência de fatores atípicos e ruído de curto prazo) seguiu em queda, indo para apenas -0.06%. Nessa linha, muita gente já tem falado em inflação na casa dos 1% ou até abaixo disso este ano.

Gráfico 4: IPCA-15 e IPCA – inflação mensal (%) ao longo do ano

Fonte: IBGE e Versa Asset

Contas externas e câmbio: o pior já passou?

Também chamou a atenção na semana a forte valorização do real depois de tanto susto ultimamente. A taxa de câmbio que chegou a bater os R$5.85/US$ 15 dias atrás foi para os R$5.33/US$ na sexta-feira. O que explicaria tamanha reversão? Muitas coisas. A começar pelo ambiente externo mais favorável, onde o otimismo com a gradual reabertura na Europa e nos EUA ajudou a maioria das moedas emergentes, não só o real. Em segundo lugar, o ruído político aqui dentro diminuiu sensivelmente após a divulgação do tão esperado vídeo. Ficou a impressão de que o risco de um cenário de ruptura e ingovernabilidade tenha diminuído bastante.

No entanto, estes não parecem terem sido os únicos fatores por trás da queda do dólar. Os números das contas externas divulgados na semana também tiveram destaque no mercado, ajudando a quebrar a dinâmica perversa que se impunha sobre a taxa de câmbio até então.

Em primeiro lugar, animaram ao sugerir que a forte alta do dólar dos últimos meses está surtindo seu efeito na redução do déficit externo. O saldo em conta corrente marcou uma forte melhora em abril: ficou positivo em +US$3.8 bilhões, acima das expectativas dos economistas (+US$3.0 bi). A melhora foi tanto pela balança comercial quanto em outros grupos como os serviços e as “rendas” (por ex., menor distribuição de dividendos das filiais de empresas multinacionais para suas matrizes no exterior).

Gráfico 5: saldo em conta corrente – (saar como % do PIB)

Fonte: BC e Versa Asset

Por último, os dados sugeriram que parte da pressão no câmbio pode ter sido causada por fatores passageiros. Estaria relacionada a uma mudança tributária nos bancos (o tal “overhedge”), levando os mesmos a comprar dezenas de bilhões de dólares nos últimos meses. Com essas compras chegando perto de um fim, o dólar deveria ceder.

Disclaimer: As opiniões, análises e informações contidas nesse artigo não constituem recomendação de investimento, nem tampouco material de oferta para subscrição, compra ou venda de títulos ou valores mobiliários, instrumentos financeiros, cotas em fundos de investimento ou qualquer produto ou serviço de investimentos. Declarações contidas neste artigo relativas às perspectivas dos negócios, projeções de resultados operacionais e financeiros, bem como referências ao potencial de crescimento das companhias citadas, constituem meras previsões, baseadas nas expectativas do analista responsável em relação ao futuro. Essas expectativas são altamente dependentes de fatores incertos, como o comportamento do mercado, da situação econômica do Brasil, da indústria e dos mercados internacionais. Portanto, cada declaração aqui escrita está sujeita a mudanças, e não deve ser utilizada como insumo para qualquer estratégia de investimento pessoal ou institucional. A Versa Gestora de Recursos Ltda., seus sócios e colaboradores, por meio dos fundos de investimentos da casa, podem ou não estarem posicionados em títulos e valores mobiliários de emissores aqui mencionados, de forma que eventualmente influencie nas opiniões e análises aqui presentes.