Raia Drogasil, o short de maior convicção da carteira

A Raia Drogasil está entre as ações mais caras da bolsa, fruto das altas expectativas de crescimento e aumento da rentabilidade. Neste artigo, desconstruímos os argumentos que justificam esse elevado valuation

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A venda a descoberto em Raia Drogasil é, hoje, o short de maior convicção da carteira. Benjamin Graham, pai do conceito da margem de segurança, se reviraria no túmulo se soubesse o valuation dela, de 33x o lucro esperado para 2017. Seu pupilo Warren Buffett costuma fugir dos ensinamentos do mestre quando julga que as empresas não são baratas mas possuem marca forte, diferencial competitivo e boa gestão. Com esse conceito, foi capaz de oferecer 22x o lucro esperado para 2017 pela Unilever, dona de marcas icônicas como Hellmann’s, “a verdadeira maionese” e Dove, “o sabonete que hidrata”. O que remete a marca Raia? A uma farmácia bonita, como a Onofre ou a Iguatemi. E a Drogasil? A uma farmácia comum, como a Drogaria São Paulo ou a Farmais. Uma coisa ambas compartilham: a imagem de mais caras do que as farmácias Pague Menos. Diferente de vestuário, este é um varejo onde não há preferência por marcas. Os produtos vendidos são os mesmos em todas as farmácias, e a escolha do cliente é baseada no preço.

Em setores competitivos como o de farmácias, a teoria econômica prevê que a rentabilidade das empresas converge para o custo de capital, e por isso, só sobrevivem as mais eficientes. Este é, sem dúvida, o trunfo da Raia Drogasil. Suas incríveis 1420 lojas fazem dela a maior cadeia do país, o que dá maior poder de barganha com os fornecedores e gera benefícios logísticos, com menos caminhões atendendo mais lojas em uma mesma região. Por outro lado, ela não está sozinha. A Drogaria Pacheco-São Paulo, segunda maior do país, tem mais de 1080 lojas e a Pague Menos, a terceira colocada, mais de 820. Estas empresas cresceram conquistando o mercado das farmácias de bairro, familiares, que usavam duas artimanhas para sobreviver: evasão fiscal e a contratação de donos como funcionários. O regime de substituição tributária dificultou a sonegação de impostos e tirou muitos do jogo, mas as pequenas redes continuam sobrevivendo, ao ponto da Raia Drogasil ter apenas 12% do mercado. Assim, a natureza competitiva é inexorável ao setor, e independente da escala alcançada pela Raia Drogasil, ela não terá retornos econômicos, seja por força dos grandes concorrentes, seja pela fragmentação do mercado.

Resta entender se a Raia Drogasil pode crescer ao ponto dos 33x lucro virarem 10x. Isso seria possível se a empresa não precisasse investir para crescer, como no modelo de franquias, mas a Raia Drogasil usa lojas próprias. Por isso, o crescimento da receita vem ao custo de maior despesa com juros (ou menor acúmulo de caixa), e tratando-se de um setor em competição perfeita, o retorno dos investimentos se aproximam do custo de capital, ou seja, a rentabilidade marginal é baixa. Além disso, as cadeias investem primeiro nos melhores pontos de venda, explorando as melhores oportunidades. Uma vez que esses mercados estão saturados, vão para as fronteiras, onde o retorno é menor. Assim, o crescimento tem naturalmente retornos marginais decrescentes, podendo até mesmo destruir valor. Por último, a Raia Drogasil já se concentra nas regiões mais ricas do país, com presença significativa em São Paulo, mercado competitivo mas mais rentável. Há algum tempo acreditava-se que o Nordeste, apesar de mais pobre, tinha margens maiores pela menor competição, falácia que foi comprovada com a derrocada da Brasil Pharma.

Assim, como explicar uma empresa que teve um retorno sobre o PL de 16% em 2016 negociar a quase 7x o patrimônio líquido? Como referência, o banco Itaú teve um retorno de 20% e negocia a 2x. A resposta está na abstração dos analistas nas planilhas de Excel. Os compradores da ação projetam que a empresa continuará a crescer a ritmo semelhante dos últimos anos, desconsiderando a saturação do mercado, e para piorar, consideram que a rentabilidade se expandirá até níveis nunca antes alcançados, como 25%, subvertendo a lógica competitiva do setor e dos retornos marginais decrescentes. Casos semelhantes foram vistos na bolha da internet, onde analistas projetavam crescimentos explosivos de receita e rentabilidade, ou até mesmo nas ações da Petrobrás, quando analistas inferiam que o petróleo se manteria a 100 dólares por barril para sempre. Como diz o velho ditado do mercado, “planilha aceita tudo”.

É inegável, por outro lado, que até hoje os resultados de Raia Drogasil não decepcionaram os analistas, situação que aparentemente está prestes a mudar. Nos últimos anos, o setor farmacêutico foi um dos grandes beneficiários da alta inflação uma vez que a demanda é inelástica e o reajuste dos medicamentos é definido pelo governo com base na inflação passada e na taxa de câmbio. Com isso, os reajustes em 2015 atingiram até 7,7% e em 2016 até 12,5%. Com o país em recessão, o reajuste dos salários foi menor que dos medicamentos, beneficiando as varejistas, que expandiram as margens de lucro. Estes reajustes mascararam até mesmo o efeito negativo das novas lojas, que demoram em média 3 anos para maturar, e até lá rodam com rentabilidade inferior ao resto da cadeia. Em 2017, com a queda do dólar e o arrefecimento da inflação, o reajuste deve ser de apenas 3,5%.

Com a mudança à vista, na última conferência de resultados a empresa tentou conter as expectativas, falando que a desejada expansão de margem pode demorar um pouco mais para acontecer, o que fez a ação recuar de R$ 65 para R$ 60. Porém, o que está em jogo talvez não seja só um ano ruim, mas toda a crença no mercado de farmácias e no modelo da Raia Drogasil, que levou as projeções para estratosfera e o valor das ações para a lua. Uma hora a realidade bate à porta, e esse momento pode estar próximo.

Estimativas Raia-Drogasil

2016201720182019
Receita (R$ M)11.25713.58716.21519.209
crescimento26,5%20,7%19,3%18,5%
Ebitda (R$ M)9921.1841.4751.857
Margem Ebitda8,8%8,7%9,1%9,7%
Lucro Líquido (R$ M)456599764960
crescimento32,7%32,2%27,5%25,6%
Retorno sobre PL16,3%19,5%22,6%25,3%
* Números passados e projeções futuras extraídos do Bloomberg. Podem diferir ligeiramente do release da empresa devido a ajustes contábeis

Disclaimer: As opiniões, análises e informações contidas nesse artigo não constituem recomendação de investimento, nem tampouco material de oferta para subscrição, compra ou venda de títulos ou valores mobiliários, instrumentos financeiros, cotas em fundos de investimento ou qualquer produto ou serviço de investimentos. Declarações contidas neste artigo relativas às perspectivas dos negócios, projeções de resultados operacionais e financeiros, bem como referências ao potencial de crescimento das companhias citadas, constituem meras previsões, baseadas nas expectativas do analista responsável em relação ao futuro. Essas expectativas são altamente dependentes de fatores incertos, como o comportamento do mercado, da situação econômica do Brasil, da indústria e dos mercados internacionais. Portanto, cada declaração aqui escrita está sujeita a mudanças, e não deve ser utilizada como insumo para qualquer estratégia de investimento pessoal ou institucional. A Versa Gestora de Recursos Ltda., seus sócios e colaboradores, por meio dos fundos de investimentos da casa, podem ou não estarem posicionados em títulos e valores mobiliários de emissores aqui mencionados, de forma que eventualmente influencie nas opiniões e análises aqui presentes.

6 COMMENTS

  1. Luiz. Qual sua posição atual com relação a raia Drogasil? O resultado do terceiro tri veio um pouco melhor do que o esperado e a ação segue nas máximas históricas (=~78,00). Acho que ela continua muito Cara, mas o mercado continua gostando dela.

    • Boa noite Rodrigo. Continuamos com a mesma posição vendida à descoberto em Raia Drogasil. O resultado apresentou pontos bons e ruins. As vendas-mesmas-lojas vieram acima do esperado, mas são números baixos comparados com a história da Cia. A venda de lojas maduras (+3,5%) veio pouco acima da inflação, e a margem bruta caiu 1% em função do menor reajuste de medicamentos. Por outro lado, a companhia conseguiu diluir as despesas com vendas o suficiente para manter a margem Ebitda estável, o que vejo com certa estranheza uma vez que o percentual de lojas em maturação em relação ao total tem crescido, o que deveria impactar esta linha. No final das contas o menor crescimento e a compressão das margens está se materializando, mas o mercado continua a acreditar que a piora é passageira. Nós discordamos, e enquanto os ventos não mudarem, manteremos a direção. Abs,

      • Também estou short há uns dois meses. Mas é impressionante como o papel se sustenta, mesmo com notícias de vendas sucessivas de ações pelos controladores…

        • É verdade Jorge. Este papel é um dos “queridinhos” da bolsa, assim já foram a Ambev, Natura, Souza Cruz, Totvs, Brasil Foods, entre outros. Foram resilientes até o momento que grandes acionistas jogaram a toalha. Paciência é fundamental. Um abraço,

    • Bom dia Emanoel. O contrato de aluguel das ações é padrão de 30 dias. Devolveremos as ações alugadas quando recomprarmos a posição.

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